Vamos ao cinema?
Temos uma sensação estranha ao aproximarmo-nos do Museu dos Aliados em Berlim.
Pretendíamos ver uma exposição sobre a desnazificação mas… estaríamos no sítio
certo? O edifício lembrava um cinema americano dos anos 50 do século passado,
um espelho do american way of life. O letreiro à entrada não enganava:
estávamos mesmo no local certo.
Em 1994, quando as
forças aliadas retiraram as suas tropas da Alemanha na sequência da
reunificação das duas Alemanhas, foi decidida a criação dum museu que lembrasse
a sua presença em solo alemão durante 50 anos. O Outpost Theater, o cinema dos
soldados americanos em Berlim iria ficar desativado. Aqui no coração do
antigo setor americano na Alameda Clay no bairro de Zehlendorf respirava-se
EUA: o quartel-general General Lucius D. Clay, o centro comercial Truman Plaza,
a estação de rádio American Forces Network (AFN), o centro desportivo Cole
Sports Center, a capela americana e o Outpost Theater - o local ideal para o albergar o museu se bem que fora do centro da
cidade e do roteiro normal dos turistas.
No cinema e no pátio
ao ar livre está a exposição permanente; o edifício lateral recebe as
exposições temporárias - desde outubro do ano passado até 29 de maio deste ano
a exposição “Quem era nazi? A desnazificação após 1945 na Alemanha”, a razão
que nos levou a visitar este museu.
No final da 2ª
Grande Guerra, as potências vencedoras decidiram desnazificar os alemães. Centenas
de milhar de pessoas que faziam parte dos quadros do partido foram internadas
ou afastadas dos seus postos de trabalho. Esta exposição tenta mostrar as
diferentes maneiras como esta situação foi gerida pelos quatro países
vencedores: EUA, Grã-Bretanha, França e URSS, um trabalho difícil pois os métodos
de trabalho eram diferentes (e até mesmo contraditórios, nalguns casos). E
foram também terminando em momentos diversos: em março de 1948, os soviéticos
terminaram o processo, mas só um ano depois, em fevereiro de 1949, os aliados o
deram por concluído.
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Retirando os nomes das ruas

“Há 70 anos terminou
a 2ª Grande Guerra e praticamente logo a seguir deu-se a ocupação da Alemanha
“, comentava Bernd von Kostka, o curador da exposição. “ A política de ocupação
das quatro potências tinha por base objetivos políticos – um deles era a
libertação da Alemanha do nacional-socialismo, a desnazificação de milhões de
alemães no Leste e no Oeste”. A desnazificação deveria ter como objetivo afastar
os nazis de todas as posições socialmente importantes, a fim de estabelecer uma
nova liderança e permitir um novo começo democrático. Um expurgo político sem
precedentes na História. No entanto, o processo rapidamente caiu nas garras
ideológicas e da Guerra Fria. E ainda hoje se sente que ainda nem tudo foi
dito. Daí a importância desta exposição.
A limpeza política desejada foi difícil de
concretizar a nível das elites. Havia que reconstruir a Alemanha e impor
prioridades. As elites teriam sido peças do regime mas eram necessárias para a
reconstrução, pois tinham os conhecimentos. Por exemplo, Werhner von Braun,
engenheiro e uma das principais figuras no desenvolvimento de misseis durante o
3º Reich, foi branqueado pelos americanos que até o levaram para a NASA onde
ocupou altos cargos. Pertenceu ao grupo de cientistas para os quais a Joint Intelligence Objectives
Agency (JIOA) criou informações pessoais e profissionais falsas, onde foi
excluído qualquer registo de envolvimento com o partido nazi, ficando assim com
toda a liberdade para trabalhar nos Estados Unidos. Ou Peter Adolf Thiessen, um químico alemão que chegou a
assessor do governo de Hitler e que foi reabilitado pela União Soviética para
onde foi trabalhar após a guerra no projeto da bomba atómica. Após 1949 não houve um único juiz que
tivesse sido condenado pelos seus atos durante o 3º Reich, como se nenhum
tivesse tido culpa no que se passou durante o nacional-socialismo. A História
já nos mostrou por diversas vezes que quem sofre é sempre o peixe-miúdo. E foi
também aqui o caso.
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De uma antiga bandeira nazi fez-se um vestido
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Um cinto com a cruz suástica raspada
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Mais de quatro milhões
de processos em quase quatro anos - a desnazificação na Alemanha depois de 1945
foi um fenómeno de massas. Em três grandes seções mostra-se o julgamento das
quatro potências vencedoras para criar as condições para um novo começo político
na Alemanha.
Logo na parede da
entrada da exposição uma enorme fotografia de uma cena de rua na Alemanha dos
anos 1930-1940. As imagens das pessoas são do tipo holograma: vistas de uma
posição, aparecem com os símbolos nazi (uniforme, emblema), mas vistas de outra
já estão com fatos comuns! Como saber quem era apoiante do regime?
A primeira parte é
dedicada à eliminação dos símbolos e dos traços do estado nazi no espaço
público e à procura de quem era nazi – funcionários, membros da SS e da Gestapo,
apoiantes. Para tal foi concebido um questionário, ou melhor, quatro
questionários, um de cada força vencedora (só os americanos produziram 13
milhões de inquéritos!), que toda a população teria de responder; foram
igualmente arquivados filmes, fotografias, documentos e inúmeros objetos do dia-a-dia.
Apesar da comissão americana ter nas suas mãos o ficheiro dos membros do
partido, queria saber-se quem eram os principais culpados (Hauptschuldiger),
os grandes apoiantes (Belasteter), os pequenos apoiantes (Minderbelasteter),
os seguidores passivos (Mitläufer) e os que nada tiveram a ver (Entlasteter).
Uma tarefa gigantesca com um fraco resultado: as comissões de desnazificação
classificaram 95% dos casos como Mitläufer ou Entlasteter! Assim
parece que a desnazificação se pode resumir a toneladas e toneladas de papel.
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Preenchendo os inquéritos
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O interesse da
exposição é ficarmos a ver agora, 70 anos depois, o trabalho hercúleo que se
tentou fazer, apesar de os resultados não terem sido tão interessantes quanto
se esperava.
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A descoberta do
túnel de espionagem
(Foto: Museu dos Aliados)
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