quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Viagem à Guiné-Bissau - Ilha de Orango


Da ilha das Galinhas seguimos na lancha para Bubaque, onde esperámos pelo transporte para a ilha de Orango, o coração ecológico e cultural dos Bijagós, para onde viemos de piroga apesar de a minha companheira de viagem sempre ter dito que não andaria de piroga…. Mas não era uma piroga tradicional, feita de um tronco de árvore, mas uma piroga de metal com motor.

A ilha de Orango é uma das maiores ilhas - e das mais significativas - do Arquipélago dos Bijagós, pois é o lar do Parque Nacional de Orango (PNO, o lar do hipopótamo marítimo. O arquipélago dos Bijagós é formado por 88 ilhas e ilhotes - um mundo por si, diversificado e singular. Declarado Reserva da Biosfera pela UNESCO em 1996, inclui três áreas protegidas, entre as quais se destaca o na Parque Nacional de Orango, de grande valor tanto do ponto de vista científico como ecoturístico.

Este espaço protegido ocupa integralmente a ilha do mesmo nome e possui ecossistemas tão variados como os mangais, as praias, os palmeirais, a savana e os bosques tropicais.


O parque é um verdadeiro paraíso para as aves, que ocupam desde os bosques mais inacessíveis aos intermináveis bancos de areia que surgem com a maré baixa. Nas águas que rodeiam e criam a ilha habitam manatins, crocodilos, golfinhos e tartarugas marinhas.

Este grupo de ilhas representa a segunda área mais importante de dedica de tartarugas marinhas de toda a África Oriental.

A tabanca principal de Orango é Eticoga. É daqui que vêm os funcionários do hotel no Parque Nacional de Orango, gerido por uma ONG espanhola. São 14 quartos, divididos por 2 “palhotas” amarelas com 8 quartos standard e 6 “palhotas” brancas com 6 quartos premium. A época alta é na época seca, de outubro a dezembro. Janeiro e fevereiro, quando começa a época das chuvas, é época intermédia e de março a junho a época baixa. Entre julho e setembro o hotel fecha.

 


O aspeto mais notável desta ilha é a sua população de hipopótamos marinhos (Hippopotamus amphibius), que se adaptaram a viver em ambientes de água salgada, frequentando os mangais e o mar. Este é um fenómeno biológico extremamente invulgar: durante o dia vivem na lagoa de Anor, de água doce e, ao pôr do sol , atravessam o mar (salgado) até à ilha de Uno, aproveitando para limpar a pele dos parasitas.

Com muita curiosidade, fomos com o Eduardo, o guia do hotel, para a piroga que nos levou para a ponta da ilha, onde está Anor. Está somente a 10 km do hotel, mas é mais fácil ir de piroga do que atravessar a selva tropical húmida.

A piroga atacou na praia. Saltámos para a água e o guia verificou se estávamos preparados: sapatos de borracha ou impermeáveis, calças compridas e blusas/camisas de manga comprida. Tudo isso era importante porque iríamos atravessar savana com plantas que picam e uma zona pantanosa.


Lá fomos em “fila indiana” pelo caminho trilhado no chão. Eduardo levava numa das mãos uma catana e na outra um pau, para nos defender caso encontrássemos algum animal. Não esquecer que estávamos numa reserva onde os animais vivem em liberdade.

No caminho íamos explicando as árvores e os arbustos que víamos e apontando para aves diversas.

E assim chegámos a uma clareira com algumas árvores apinhadas de pássaros e no meio uma lagoa onde pastelavam os hipopótamos. Eduardo chamou- nos igualmente a atenção para dois olhos que se viam na linha de água. Um crocodilo espiava os nossos movimentos…

Do crocodilo só se viam os olhos

Apesar de serem vegetarianos - comem 35 kg de ervas por dia! - e de parecerem ser pachorrentos (pesam, na idade adulta 3 toneladas), são muito perigosos. Aqui em Orango, os hipopótamos eram os grandes inimigos dos camponeses, pois destruíam-lhes constantemente os campos de arroz. Os camponeses não tinham piedade e matavam- nos. Somente com a criação do Parque Nacional, é que os hipopótamos passaram a ser protegidos. Mas não se podia proteger os hipopótamos e não pensar nos camponeses. Assim, foram colocadas vedações eletrificadas à volta dos campos de arroz, que, deste modo, ficaram a salvo dos animais.













Não tendo agora inimigos em Orango, os hipopótamos chegam aos 40-42 anos!

No caminho de regresso, Eduardo verificou os pés de cada um e nos meus viu uma sanguessuga! Que eu entrei em pânico, mas Eduardo, calmamente, tirou-ma do pé e atirou-a de novo para o lamaçal.

Falemos agora um pouco do povo que habita este arquipélago. Os bijagós, cujo nome significa “o povo perfeito”, habitam nestas ilhas há já vários milhares de anos. As suas tabancas, cujas casas se constroem com tijolo cru, paus e palha, encontram- se perfeitamente integradas neste meio.

De tradição animista, isto é, reconhecem uma força vital em todos os seres e na inter-relação entre o mundo dos vivos e dos mortos, os bijagós vivem da agricultura, especialmente do arroz, da criação de animais domésticos - alguns dos quais fazem parte dos seus rituais - e da pesca artesanal. Da palmeira, um símbolo da Guiné Bissau , obtêm- se azeite e vinho. Das folhas fazem- se as saias tradicionais das mulheres, cestos, as esteiras para dormir ou para enterrar os mortos. As folhas das palmeiras são também usadas nas cerimónias e como “papel “ para mandar mensagens. Com a madeira fabricam-se objetos de uso diário (tigelas, colheres, pilões, paus para cozinhar, bancos e banquetas) , instrumentos para limpar o arroz ou o milho e canoas.




Várias partes do território são sagradas onde se fazem as cerimónias mais importantes. Nalgumas ilhas vivem os espíritos e só os iniciados podem lá ir.  

Uma nota muito interessante sobre Orango : foi nesta ilha que nasceu e reinou a única rainha dos Bijagós, Okinca Pampa Kanyimpa, entre 1910 e 1930, uma figura histórica e lendária fundamental para a identidade cultural do povo Bijagó que governou a ilha no século XIX e é um símbolo do sistema social matriarcal (ou matrilinear) que caracteriza a sociedade Bijagó.

Ela é reverenciada como uma das últimas rainhas do arquipélago - e das mais poderosas -, um símbolo da liderança feminina e da resistência cultural Bijagó. O seu reinado ocorreu durante a segunda metade do século XIX, num período de crescente pressão colonial portuguesa sobre o arquipélago. Numa sociedade que tradicionalmente reconhece a importância e a autoridade das mulheres nas esferas política e ritual (sistemas matriarcais/matrilineares), Pampa Kanyimpa destacou-se pela sua inteligência e astúcia política.

A rainha notabilizou-se por evitar confrontos diretos com as forças portuguesas, preferindo utilizar a diplomacia e a estratégia para manter a soberania e as tradições do seu povo. O seu legado é visto como uma personificação da estrutura social Bijagó, onde a mulher não é apenas a guardiã do ritual, mas também detém o poder da decisão.

Hoje, Okinca Pampa Kanyimpa é um mito fundador e uma referência constante na ilha de Orango, que é o coração do Parque Nacional. A sua história é contada para inspirar o respeito pela autoridade feminina e para reforçar a ligação do povo Bijagó à sua terra e aos seus antepassados. Ela representa a força, resiliência e a dignidade da mulher Bijagó face a desafios externos.

O poder feminino e o respeito pelos mais velhos continuam a ser pilares da vida em Orango.

Orango é o local ideal para quem quer retemperar energia. Passar aqui uns dias, fazendo caminhadas na areia finíssima e branca, gozando as águas quentes da praia ou vendo a população na sua labuta diária (seja em pirogas na pesca, seja noutra atividade), fazem-nos esquecer as preocupações, descansando o corpo e a alma.


Praia de Orango

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Viagem à Guiné-Bissau: Ilha das Galinhas




Estes dias mas ilhas foram verdadeiramente de regresso ao básico. 

Primeiro visitámos a ilha das galinhas e depois a ilha da Orango. 



Ilha das Galinhas

Durante muitos séculos, a ilha das Galinhas - com os seus 28x21 km, uma das maiores dos Bijagós - esteve inabitada. Era, porém, muito fértil e, assim, durante alguns meses do ano, os povos das ilhas vizinhas iam para a ilha fazer as plantações. Para sobreviver levavam tudo o que precisariam durante esse tempo, incluindo galinhas. Após as colheitas, regressavam às suas ilhas de origem, levando tudo o que lhes pertencia. Contudo, não conseguiam apanhar todas as galinhas que ficavam e se reproduziam. Foi, assim, que a ilha ficou com um número muito elevado de aves galináceas e ganhou o seu nome .



Chegar à Ilha das Galinhas a partir de Bissau envolve uma longa viagem de barco (lancha rápida ou embarcação tradicional), o que contribui para a sua sensação de isolamento.



O que me levou à ilha das Galinhas foi ver de perto o projeto da Associação de Beneficência Luso-Alemã (ABLA) , focado no setor da Educação e na Saúde Alimentar, visando combater o abandono escolar e a pobreza.

A ABLA é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) e Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) portuguesa e concentra a sua atuação na Ilha das Galinhas através de parcerias com organizações locais, tentando garantir que as crianças tenham acesso à escolaridade e à alimentação básica.

A ABLA financiou a construção de pelo menos duas escolas na Ilha das Galinhas e  cobre os salários dos professores locais que, com um salário de aproximadamente €85/mês, são essenciais para manter o sistema de ensino a funcionar. A ABLA também doa material didático.

Um dos aspetos mais cruciais do projeto é a distribuição diária de uma refeição quente aos alunos nas escolas. Para muitas das crianças, esta é a única refeição quente que comem durante o dia, o que é fundamental para a saúde e para incentivar a frequência escolar.

Através do financiamento escolar, do fornecimento de material escolar e da alimentação, a ABLA visa quebrar o ciclo da pobreza e combater o abandono escolar precoce, garantindo a frequência de centenas de crianças (mais de 600 em 2023) nas escolas que apoia. 

Nestas escolas, fiz sessões de contos, um dos objetivos que me levaram à Guiné-Bissau. 

Para além do núcleo educacional, a ABLA tem procurado dar apoio em outras vertentes. Tem tentado manter em funcionamento um posto de primeiros socorros na Ilha das Galinhas, que infelizmente enfrenta problemas de abastecimento de medicamentos.


No dia que planeámos ir visitar as escolas da ilha das Galinhas, criadas pela igreja evangélica e apoiadas pela ABLA, levantámo- nos cedo, pois o barco zarparia às 7h45. 

Como a ilha é muito pobre e não tem lugares  onde se  possa comer, a Nia Gomes preparou um farnel: frango guisado com batatas fritas e pão. Este teve ainda de ser comprado, o que fez atrasar a partida. O mar estava calmo e a travessia de 1h30 fez- se sem sobressaltos. 

A lancha chegou bem perto do praia, mas mesmo assim tivemos que saltar para a água. Na praia, um montão de crianças já nos esperava. Olharam- nos com ar de espanto, mas com curiosidade. Quiseram dar-nos as mãos, tocavam- nos, passavam os dedos pelos nossos braços e pelas nossas mãos, agarravam- nos. 

E, com este “séquito” saímos da praia em direção à escola, passando pela tabanca, uma das seis tabancas da ilha. 







É uma aldeia tipicamente africana, com palhotas redondas e quadradas com tetos de colmo, e outras com tetos de zinco. As pessoas viviam da pesca e de agricultura de subsistência - e do apoio do PAM, Programa de Alimentação Mundial da ONU. 

Mulheres lavavam a roupa em alguidar, homens construíam blocos de adobe para construírem as suas casas. Um homem fazia um tambor. 



Uma mulher fazia saias de uma planta com muitos filamentos.



Finalmente - e sempre com um

montão de crianças agarradas a nós, chegámos à Escola Evangélica de Ensino Unificado  Tedepi-Nindo. Mais de duas centenas de crianças brincavam enquanto  esperavam que o almoço ficasse pronto. Nesse dia, o almoço - arroz com sardinhas - só pôde começar a ser feito quando chegou o arroz do PAM, pois já não havia arroz na tabanca. 

Entrega de um livro à professora e de um avental da AAAIO


Os alunos da 3ª classe ainda estavam na sala de aula. Assim, pudemos fazer a sessão de contos que tínhamos planeado e oferecer o 1º livro para uma futura biblioteca escolar. 






Quando terminámos a sessão de contos, o arroz estava cozido e pôde iniciar- se a distribuição do almoço   Esta refeição, apoiada pela ABLA, é extremamente importante, pois para a grande maioria das crianças é a única do dia. Cada criança traz de casa uma tigela. Põem- se n uma fila, começando pelos mais novos, e um a um vão revendo a sua ração. 



Fomos depois, novamente de barco , para a escola da outra tabanca, onde uma centena de alunos faz o seu percurso escolar até ao 9 º ano. Neste dia, estes alunos não receberam almoço porque o arroz do PAM não chegou a tempo. 

Também aqui fizemos a nossa oferta de um livro para a futura biblioteca escolar, de lápis e de calculadoras solares. A ABLA ofereceu ao Centro de Saúde uma grande quantidade de medicamentos, recolhidos pelas crianças do jardim de infância e da escola dessa associação em

Carcavelos. 

Medicamentos oferecidos pela ABLA






quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Viagem à Guiné- Bissau : Aprender a fazer caldo branco


 


De manhã, combinámos com a Nia irmos comprar os ingredientes para aprendermos a fazer o prato mais comum de Bissau, à venda na rua: bagre fumado com caldo branco, acompanhado com arroz,  badjiqui com quiabo e conserva (piri piri). 



O melhor sítio para fazer todas as compras -  e mergulhar na verdadeira vida quotidiana da Guiné-Bissau - é sem dúvida o Mercado de Bandim.








 Este  mercado é muito mais do que um local de compras; é o motor económico informal da capital. A sua importância advém de ser o ponto de convergência tanto para produtos nacionais como importados. É o principal centro de distribuição de produtos agrícolas, do mar e florestais provenientes do interior do país e das ilhas, incluindo o essencial caju, mancarra, peixe, marisco e óleo de palma. Grande parte dos produtos industrializados, roupas, eletrónicos, ferramentas e bens de consumo importados chegam primeiro a Bissau e são distribuídos pelo país a partir de Bandim. Na realidade, o mercado é conhecido por ter de tudo. As bancas e os pequenos vendedores (muitas vezes mulheres Bijagós e de outras etnias) vendem desde comida fresca, especiarias e artesanato, até peças de automóveis e telemóveis.




Visitar o mercado é uma verdadeira experiência sensorial e reflete a diversidade étnica e linguística da Guiné-Bissau. Aqui ouvem-se falar várias línguas: Fula, Balanta, Mandinga e as diversas línguas das ilhas.

O ambiente caracteriza-se pelo barulho intenso, cheiros fortes (de especiarias, peixe seco e combustível) e por uma azáfama frenética.

A área em redor do mercado é dominada por toca-tocas (táxis coletivos), djumbais (carrinhas de carga) e mototáxis, essenciais para movimentar bens e pessoas.

O Mercado de Bandim opera sob condições precárias. A falta de saneamento básico, a gestão de resíduos e os riscos de incêndio são desafios persistentes, especialmente na área mais antiga do mercado.


Nia conhece bem o mercado e sabe bem onde comprar. Quando já tínhamos todos os ingredientes, pusemo- nos a caminho do bairro Antula Pabidjar, já nos arrabaldes da cidade, onde ela mora. 




A dada altura saímos da estrada alcatroada e fomos por uma estrada de terra batida - bem vermelha, a cor da terra africana - cheia de buracos. Felizmente, já estamos na época seca. Caso contrário teria sido verdadeiramente desafiante.

Chegadas a casa, pusemo- nos ao trabalho: descascar e pilar alho, cebola e malagueta. 

O pilão 

O bagre fumado


Pronto para ir para o lume


Nia cortou o bagre fumado às postas, colocou-o na panela e , por cima, pôs tomate, pimento e abóbora e levou a cozer. O almoço estava delicioso. 

Regressaras a Bissau, demos mais um passeio por Bissau Velho, , o centro histórico da capital. Subimos a  avenida. Como já estávamos no final da tarde, já não fazia calor e havia muitas pessoas sentadas nos bancos do jardim. 



No topo da avenida, estão o Monumento aos Heróis da c Independência e o  Palácio Presidencial de Bissau, um dos edifícios mais simbólicos e, infelizmente, um dos mais visíveis testemunhos da instabilidade política e dos conflitos armados que marcaram a história da Guiné-Bissau. O edifício tem uma presença marcante na paisagem urbana da cidade.

Foi construído durante o período colonial português para servir como Sede do Governo da então Guiné Portuguesa. A sua arquitetura reflete o estilo imponente e monumental comum aos edifícios administrativos coloniais, projetado para transmitir autoridade e solidez.

O edifício foi severamente danificado durante a Guerra Civil da Guiné-Bissau em 1998/1999 (o conflito entre as tropas do Presidente João Bernardo "Nino" Vieira e a junta militar liderada por Ansumane Mané). A estrutura sofreu bombardeamentos significativos, mas foi totalmente restaurada com a cooperação chinesa e reinaugurada em 2013.

Desde a independência, o edifício foi alvo de vários golpes de estado e motins militares. Cada evento deixava a estrutura mais fragilizada e sem capacidade de recuperação

Sese do PAIGCV

Monumento aos Heróis da Independência na Praça dos Heróis Nacionais