Quantos de nós temos consciência que por debaixo das
pedras que pisamos não há somente terra mas restos de lugares, vilas, cidades
em tempos cheias de vida? Quantos lisboetas sabem que há toda uma cidade, ou
melhor, ruínas de várias cidades debaixo do empedrado da Baixa? O subsolo
lisboeta é um livro aberto que há que ler com mais de 2500 anos de História.
Comecemos por exemplo pelas escavações arqueológicas da Rua Augusta, que ocupam
quase um quarteirão pombalino inteiro onde hoje se encontra um edifício do
Millennium BCP.
Quando o Millenium BCP iniciou as obras de remodelação
do edifício, descobriu um tesouro no subsolo: estruturas arqueológicas de
civilizações que, ao longo dos tempos, habitaram Lisboa com características
únicas.
A visita às escavações leva-nos até ao período ibero-púnico. Ancoradouro seguro, já a
partir do século VII a.C., Fenícios e Cartagineses vêm ao "sítio de
Lisboa" à procura de metais
preciosos. Com o passar do tempo, as visitas tornaram-se cada vez mais
frequentes e as demoras mais prolongadas, o que obrigou, entre os séculos VII e
V a.C., a fixar, na margem do esteiro do rio Tejo, presumivelmente as primeiras
construções habitacionais.
A seguir vieram os romanos. A partir do século I d.C. instala-se um importante
núcleo de preparados piscícolas, que terá laborado até finais do século IV d.C.
. As fábricas eram constituídas por cetárias (tanques) de dimensões diversas,
poços e edifícios de apoio às unidades fabris. A área que se pode visitar destinar-se-ia
sobretudo à reparação de conservas de peixe salgado, o que se depreende da
dimensão e da presença de ânforas normalmente usadas no transporte do produto,
e muito provavelmente também à produção de garum (um molho de peixe
muito apreciados pelos romanos). Logo ao lado da unidade fabril, encontra-se um
complexo de três piscinas, que se calculo pertencerem a um particular,
possivelmente o dono da fábrica. Saem os romanos, vêm os povos bárbaros
(Visigodos, Suevos e Alanos). Desta época pode ver-se uma sepultura
com um corpo que por sua vez se encontra dentro de um tanque romano.
Em 714, dá-se a ocupação árabe. Nessa época, Lisboa
era uma plataforma natural de encontro e redistribuição de uma série de vias
terrestres já utilizadas pelos Romanos. Desta época encontrou-se durante as
escavações vários artefactos do espólio islâmico, fabricados já com a técnica
do vidrado, entre outros.
Em 1147, com o início da Reconquista Cristã a partir
do norte da Península Ibérica, Lisboa é conquistada aos Muçulmanos. A corte
passa a residir permanentemente na cidade a partir do século XIII. Vários são
os objetos encontrados que espelham este período medieval. Portugal vai
crescendo e desenvolvendo. A cidade prepara-se para responder ao desafio da expansão
com o seu intenso comércio, tornando-se um dos portos mais importantes da
Europa.
Do período quinhentista vários artefactos existem em
exposição, no entanto grande parte ainda se encontra em investigação, destaque
para um azulejo sevilhano, como se pode ver na imagem. O quarteirão pombalino,
onde se encontram as escavações, insere-se na malha urbana medieval da
freguesia de São Julião, onde se identificaram dois troços de ruas que
subsistiram até ao Terramoto de 1755. O Terramoto de 1755 marca o
desaparecimento de parte da Lisboa Maneirista e Barroca e dos bairros de
tradição árabe-medieval da baixa. O esforço célere do Marquês de Pombal faz com
que Lisboa se reconstrua muito rapidamente.
A Baixa Pombalina assenta em terrenos de aluvião e com
o nível freático sempre presente. Desta forma é concebida uma estrutura de
estacaria em pinho verde, cravada no nível freático, servindo de embasamento
para os alicerces. Pela primeira vez é construída de uma forma sistemática uma
rede de esgotos domésticos, dando para o esgoto central sob a rua que ainda
hoje se pode ver. Surge também um sistema antissísmico designado por
"gaiola", estrutura interior do prédio totalmente construída em
madeira de carvalho e azinho. Ao nível das lojas, as salas são abobadadas com
tijoleira e pavimentadas com lajes em calcário.
É assim que passeando sob as ruas da Baixa lisboeta
vamos ao encontro da História da nossa cidade e do nosso país.