Igreja portuguesa de São José |
Quando
pensamos em Singapura, relacionamos sempre com a Grã-Bretanha. E temos razão. Singapura
foi fundada como um posto comercial da Companhia Britânica das Índias Orientais por Sir Stamford Raffles em 1819 com a permissão do Sultanato de Johor. O Império Britânico obteve soberania completa da ilha em 1824.
E, no entanto, os Portugueses estiveram lá antes. Quando os portugueses tomaram o controlo de Malaca em 1511, o Sultão de Malaca fugiu para sul e fundou o Sultanato de Johor, que incluía a ilha do que é hoje Singapura. Há registos de uma batalha naval entre navios portugueses e holandeses ao largo da costa de Singapura, em outubro de 1603, que os portugueses perderam. Em 1613, os portugueses destruíram a colónia malaia da ilha e o local ficou praticamente esquecido até à chegada de Sir Stamford Raffles em 1819.
Os Portugueses mantiveram, porém, um “pezinho” na ilha, através da
religião. Em 1821, já existia uma pequena comunidade católica que incluía malaios
de ascendência portuguesa. A sua ação era exercida por sacerdotes da Diocese de
Malaca, criada em 1558, que sobreviveu à tomada de Malaca pelos holandeses
protestantes aos portugueses em 1641. Por sua vez, a Diocese de Malaca era
apoiada pela Arquidiocese de Goa e pela Diocese de Macau, áreas que os
portugueses continuavam a controlar.
Em 1825, o P. Francisco da Silva Pinto e Maia, natural do Porto, mas em
missão em Macau, aonde tinha chegado 12 anos antes, foi para Singapura e aí fundou
a Missão Portuguesa. No enanto, a ação católica francesa também estava ativa no
Sudeste Asiático, nomeadamente no Sião (atual Tailândia), Vietname, Laos e
Camboja. Em 1831, o Vigário Apostólico do Sião, francês, reivindicou a
jurisdição espiritual sobre Singapura, o que deu origem a uma disputa entre os
ramos português e francês da Igreja Católica que se prolongou por vários papas.
Finalmente, em 1886, a dupla jurisdição sobre Singapura foi clarificada por uma
Concordata entre o Papa Leão XII e o rei português Dom Luís I, estipulando que
"Todos os católicos de Malaca e Singapura, que estão sob a jurisdição de
Goa, passariam para a jurisdição de Macau".
Curiosamente, a primeira igreja estabelecida em Singapura foi uma
colaboração entre as missões portuguesa e francesa. Tratava-se de uma capela
inaugurada em 1833 na Bras Basah Road, num terreno que viria a ser o local da
escola masculina St. Joseph's Institution que os frades franceses De La Salle
fundaram mais tarde, em 1852.
Com o crescimento da população de Singapura, a
Igreja de S. José tornou-se demasiado pequena para a congregação e foi demolida
em 1906, tendo sido construída no mesmo local uma igreja maior, em estilo
manuelino (gótico tardio português), que foi consagrada em 30 de junho de 1912
pelo Bispo de Macau, D. João Paulino d'Azevedo e Castro.
Com a independência de Singapura em 1965 e a
separação, em 1972, da Arquidiocese de Singapura da antiga Arquidiocese de
Malaca – Singapura, terminou a dupla jurisdição com a assinatura dum acordo, em
1981, entre o Arcebispo de Singapura Gregory Yong e o Bispo de Macau Arquimínio
Rodrigues da Costa para a transferência da Paróquia de São José para a
Arquidiocese de Singapura. Para manter o carácter português da Igreja, a
Diocese de Macau continuou a enviar sacerdotes para a Igreja de S. José até 31
de dezembro de 1999. Nessa altura, o Padre Benito de Sousa reformou-se e,
simbolicamente, terminou a Missão Portuguesa em Singapura.
Capela dedicada a Nossa Senhora de Fátima |
Mas a nossa herança em Singapura não se resume à
igreja de São José. Há muitas palavras malaias de origem portuguesa e,
eventualmente, um doce, a serikaya ou somente kaya.
Comecemos pelo doce. Há várias teorias sobre a
origem deste doce malaio, feito à base de ovos e leite de coco. Há quem diga
que tem origem no bolo alentejano sericaia. Será?
Alguns investigadores afirmam que este doce
euro-asiático, que só existe em Singapura e na Malásia, foi originalmente
adaptado de um doce de ovos português. Nesta adaptação, o leite de coco e as folhas
de pandan foram utilizados em vez do leite e das vagens de baunilha,
respetivamente. Outra fonte especula que a kaya se baseia na sobremesa
portuguesa, a sericaia, que é feita de ovos, açúcar, leite e canela e tem um
sabor semelhante. Só que… a sericaia é um bolo que vai a cozer ao forno e a serikayai é um doce de colher, ou melhor doce de
barrar pão.
Outras fontes atribuem aos primeiros imigrantes de
Hainan o desenvolvimento da kaya. Quando estes chegaram a Singapura no
século XIX, muitos deles trabalharam como cozinheiros a bordo de navios
britânicos, em casas de britânicos ou em hotéis geridos por europeus. Com o tempo,
muitos destes imigrantes hainaneses começaram a estabelecer os seus próprios
negócios, vendendo comida em cafés. Com base na sua experiência de trabalho
para os europeus, adaptaram as suas compotas tradicionais de fruta ao sabor ocidental,
criando a kaya para barrar as torradas.
Há também fontes que atribui
às nonya (mulheres chinesas do Estreito ou de Peranakan) a transmissão o
fabrico da kaya aos cozinheiros de Hainan que trabalhavam para famílias
chinesas ricas do Estreito.
Mas também pode ser que
tudo se tenha passado ao contrário, que tivesse sido o doce kaya a dar
origem à nossa sericaia. Segundo se pode ler no portal da Direção Geral de
Agricultura e Desenvolvimento, a receita da sericaia terá chegado a Portugal
pela mão de D.
Constantino de Bragança, vice-rei da Índia entre 1558 e 1561. Este doce era
tradicionalmente levado ao forno em pratos de estanho, que ainda se encontram
nas velhas casas senhoriais. Também o Khir Johari, político e antiga Ministro
da Educação malaio, argumenta que a sericaia portuguesa ter-se-á inspirado na serikaya
malaia, uma vez que a serikaya já era provavelmente um alimento básico
nas casas reais malaias quando os portugueses contactaram pela primeira vez com
o mundo malaio no século XVI.