Da ilha das Galinhas seguimos na lancha para Bubaque, onde esperámos pelo transporte para a ilha de Orango, o coração ecológico e cultural dos Bijagós, para onde viemos de piroga apesar de a minha companheira de viagem sempre ter dito que não andaria de piroga…. Mas não era uma piroga tradicional, feita de um tronco de árvore, mas uma piroga de metal com motor.
A ilha de Orango é uma das maiores ilhas - e das mais significativas - do
Arquipélago dos Bijagós, pois é o lar do Parque Nacional de Orango (PNO, o lar
do hipopótamo marítimo. O arquipélago dos Bijagós é formado por 88 ilhas e
ilhotes - um mundo por si, diversificado e singular. Declarado Reserva da Biosfera
pela UNESCO em 1996, inclui três áreas protegidas, entre as quais se destaca o
na Parque Nacional de Orango, de grande valor tanto do ponto de vista
científico como ecoturístico.
Este
espaço protegido ocupa integralmente a ilha do mesmo nome e possui ecossistemas
tão variados como os mangais, as praias, os palmeirais, a savana e os bosques
tropicais.
O parque é um verdadeiro paraíso para as aves, que ocupam desde os bosques mais inacessíveis aos intermináveis bancos de areia que surgem com a maré baixa. Nas águas que rodeiam e criam a ilha habitam manatins, crocodilos, golfinhos e tartarugas marinhas.
Este
grupo de ilhas representa a segunda área mais importante de dedica de
tartarugas marinhas de toda a África Oriental.
A
tabanca principal de Orango é Eticoga. É daqui que vêm os funcionários do hotel
no Parque Nacional de Orango, gerido por uma ONG espanhola. São 14
quartos, divididos por 2 “palhotas” amarelas com 8 quartos standard e 6
“palhotas” brancas com 6 quartos premium. A época alta é na época seca, de
outubro a dezembro. Janeiro e fevereiro, quando começa a época das chuvas, é
época intermédia e de março a junho a época baixa. Entre julho e setembro o
hotel fecha.
O
aspeto mais notável desta ilha é a sua população de hipopótamos marinhos (Hippopotamus
amphibius), que se adaptaram a viver em ambientes de água salgada,
frequentando os mangais e o mar. Este é um fenómeno biológico extremamente
invulgar: durante o dia vivem na lagoa de Anor, de água doce e, ao pôr do sol ,
atravessam o mar (salgado) até à ilha de Uno, aproveitando para limpar a pele
dos parasitas.
Com
muita curiosidade, fomos com o Eduardo, o guia do hotel, para a piroga que nos
levou para a ponta da ilha, onde está Anor. Está somente a 10 km do hotel, mas
é mais fácil ir de piroga do que atravessar a selva tropical húmida.
A
piroga atacou na praia. Saltámos para a água e o guia verificou se estávamos
preparados: sapatos de borracha ou impermeáveis, calças compridas e
blusas/camisas de manga comprida. Tudo isso era importante porque iríamos
atravessar savana com plantas que picam e uma zona pantanosa.
Lá fomos em “fila indiana” pelo caminho trilhado no chão. Eduardo levava numa das mãos uma catana e na outra um pau, para nos defender caso encontrássemos algum animal. Não esquecer que estávamos numa reserva onde os animais vivem em liberdade.
No
caminho íamos explicando as árvores e os arbustos que víamos e apontando para
aves diversas.
E
assim chegámos a uma clareira com algumas árvores apinhadas de pássaros e no
meio uma lagoa onde pastelavam os hipopótamos. Eduardo chamou- nos igualmente a
atenção para dois olhos que se viam na linha de água. Um crocodilo espiava os
nossos movimentos…
| Do crocodilo só se viam os olhos |
Apesar de serem vegetarianos - comem 35 kg de ervas por dia! - e de parecerem ser pachorrentos (pesam, na idade adulta 3 toneladas), são muito perigosos. Aqui em Orango, os hipopótamos eram os grandes inimigos dos camponeses, pois destruíam-lhes constantemente os campos de arroz. Os camponeses não tinham piedade e matavam- nos. Somente com a criação do Parque Nacional, é que os hipopótamos passaram a ser protegidos. Mas não se podia proteger os hipopótamos e não pensar nos camponeses. Assim, foram colocadas vedações eletrificadas à volta dos campos de arroz, que, deste modo, ficaram a salvo dos animais.
Não
tendo agora inimigos em Orango, os hipopótamos chegam aos 40-42 anos!
No caminho de regresso, Eduardo verificou os pés de cada um e nos meus viu uma sanguessuga! Que eu entrei em pânico, mas Eduardo, calmamente, tirou-ma do pé e atirou-a de novo para o lamaçal.
Falemos
agora um pouco do povo que habita este arquipélago. Os bijagós, cujo nome
significa “o povo perfeito”, habitam nestas ilhas há já vários milhares de
anos. As suas tabancas, cujas casas se constroem com tijolo cru, paus e palha,
encontram- se perfeitamente integradas neste meio.
De
tradição animista, isto é, reconhecem uma força vital em todos os seres e na inter-relação
entre o mundo dos vivos e dos mortos, os bijagós vivem da agricultura,
especialmente do arroz, da criação de animais domésticos - alguns dos quais
fazem parte dos seus rituais - e da pesca artesanal. Da palmeira, um símbolo da
Guiné Bissau , obtêm- se azeite e vinho. Das folhas fazem- se as saias
tradicionais das mulheres, cestos, as esteiras para dormir ou para enterrar os
mortos. As folhas das palmeiras são também usadas nas cerimónias e como “papel
“ para mandar mensagens. Com a madeira fabricam-se objetos de uso diário
(tigelas, colheres, pilões, paus para cozinhar, bancos e banquetas) ,
instrumentos para limpar o arroz ou o milho e canoas.
Várias partes do território são sagradas onde se fazem as cerimónias mais importantes. Nalgumas ilhas vivem os espíritos e só os iniciados podem lá ir.
Uma
nota muito interessante sobre Orango : foi nesta ilha que nasceu e reinou a
única rainha dos Bijagós, Okinca Pampa Kanyimpa, entre 1910 e 1930, uma figura
histórica e lendária fundamental para a identidade cultural do povo Bijagó que
governou a ilha no século XIX e é um símbolo do sistema social matriarcal (ou
matrilinear) que caracteriza a sociedade Bijagó.
Ela
é reverenciada como uma das últimas rainhas do arquipélago - e das mais poderosas
-, um símbolo da liderança feminina e da resistência cultural Bijagó. O seu
reinado ocorreu durante a segunda metade do século XIX, num período de
crescente pressão colonial portuguesa sobre o arquipélago. Numa sociedade que
tradicionalmente reconhece a importância e a autoridade das mulheres nas
esferas política e ritual (sistemas matriarcais/matrilineares), Pampa Kanyimpa
destacou-se pela sua inteligência e astúcia política.
A rainha
notabilizou-se por evitar confrontos diretos com as forças portuguesas,
preferindo utilizar a diplomacia e a estratégia para manter a soberania e as
tradições do seu povo. O seu legado é visto como uma personificação da
estrutura social Bijagó, onde a mulher não é apenas a guardiã do ritual, mas
também detém o poder da decisão.
Hoje,
Okinca Pampa Kanyimpa é um mito fundador e uma referência constante na ilha de
Orango, que é o coração do Parque Nacional. A sua história é contada para
inspirar o respeito pela autoridade feminina e para reforçar a ligação do povo
Bijagó à sua terra e aos seus antepassados. Ela representa a força, resiliência
e a dignidade da mulher Bijagó face a desafios externos.
O
poder feminino e o respeito pelos mais velhos continuam a ser pilares da vida
em Orango.
Orango é o local ideal para quem quer retemperar energia. Passar aqui uns dias, fazendo caminhadas na areia finíssima e branca, gozando as águas quentes da praia ou vendo a população na sua labuta diária (seja em pirogas na pesca, seja noutra atividade), fazem-nos esquecer as preocupações, descansando o corpo e a alma.
| Praia de Orango |