Fomos passar uns dias a Espinho para fugir ao calor do Sul de Portugal e caminhar. Em tempos, tínhamos lido algo simpático sobre os passadiços de Esmoriz e quisemos ver como eram.
O trajeto é plano, sempre paralelo às dunas/à praia, tornando-o acessível a caminhantes de todas as idades. A beleza do percurso reside na diversidade de ecossistemas que atravessa. A duna primária, com a sua vegetação rasteira e resistente, o pinhal densamente povoado e, claro, o vasto oceano Atlântico. A proximidade do mar é constante, e o som das ondas acompanha a caminhada, proporcionando uma sensação de paz e relaxamento.
No 1º dia, começámos em Espinho e fomos para sul até à Lagoa de Paramos/Barrinha de Esmoriz, um habitat natural classificado como Zona de Proteção Especial, é um verdadeiro paraíso para os amantes da ornitologia. A diversidade de aves que ali se alimentam e nidificam é notável, e é comum avistar garças, patos e outras espécies migratórias.
No caminho passámos pela sentida homenagem a um pescador, Guigas, que apareceu morto no passadiço no início do mês de agosto. Terá sofrido uma paragem cardio-vascular.
Homenagem a Guigas |
Na praia de Paramos, parámos junto à pequena Capela de Nossa Senhora da Boa Nova, um dos ex-libris da Praia de Paramos. A origem da capela remonta ao século XVIII e, segundo a lenda, a sua construção deve-se à promessa de pescadores que se salvaram de um naufrágio. A devoção à Nossa Senhora da Boa Nova, padroeira dos pescadores, é secular. Todos os anos, no mês de agosto, a pequena capela e as ruas de Paramos enchem-se de cor e vida para celebrar a festa em honra da sua santa protetora, uma manifestação de fé, onde se juntam o sagrado e o profano.
Relaxar, pescando |
A capela está erguida num promontório rochoso, que avança sobre o mar. A sua arquitetura é simples, mas notável pela sua resistência. Enfrenta diariamente a força das marés e a inclemência do vento. A paisagem envolvente é deslumbrante, permitindo uma vista panorâmica sobre o mar e as dunas, que abraçam a praia de Paramos.
Capela de Paramos |
Continuando pelo passadiço, chega-se à praia de Esmoriz e logo a seguir à Barrinha de Esmoriz. Chama-nos a atenção a ponte de madeira, edificada em 2017 sobre os encontros da antiga ponte construída em 1854, para atravessamento da barrinha que foi usada até finais do século XIX. Este meio de passagem, mesmo de dimensões reduzidas, resolvia uma importante questão de segurança, visto que, outrora, muitos atravessavam de uma margem para outra recorrendo a modestas embarcações, a jangadas ou até fazer o trajeto a nado. O risco de afogamento era grande, pelo que a ponte veio facilitar o intercâmbio e o diálogo seguros entre as comunidades envolvidas.
A principal referência encontra-se na obra de Júlio Diniz, o Canto da Sereia, que retrata a vida dos pescadores na praia do Furadouro, referindo a presença de uma ponte sobre a Barrinha. Este livro foi escrito durante a sua passagem por Ovar, em 1863. De acordo com o autor, a ponte pautava-se por quatro arcos que se exibiam então sobre o fundo esverdeado das águas da lagoa. Aires de Amorim na sua obra Esmoriz e a sua história menciona a existência de uma ponte anterior, de 1806, que servia a estrada, de Ovar rumo ao Porto pelo areal. O autor refere ainda a cobrança de portagens sobre as pessoas e mercadorias que atravessavam a ponte, de forma saudar as despesas de sua reconstrução. Os passageiros até pagava 15 reis e os carros de boi o besta pagavam 19 reis. O caminho de Ferro diria a fazer concorrência e, em 1877, já só restavam os Pegões, tal como ainda hoje podemos testemunhar.
Praia de Espinho com as suas barracas coloridas |
No 2º dia, fomos para norte, até à Capela do Senhor da Pedra, num dos percursos mais bonitos do litoral norte de Portugal. Com uma extensão de aproximadamente sete quilómetros, este caminho de madeira une Espinho ao santuário, em Miramar, já no concelho de Vila Nova de Gaia.
Praia da Granja |
Patamiscas de bacalhau |
A esplanada do restaurante, com o seu pequeno lago onde vivem duas famílias de tartarugas, é muito relaxante.
Uma das famílias de tartarugas |
Já reconfortadas, seguimos até à capela do Senhor da Pedra. Erguida em 1686 (1763 segundo outras fontes) num rochedo que muitas vezes fica rodeado pelo mar, a capela do Senhor da Pedra está associada a uma das romarias mais tradicionais de Vila Nova de Gaia e que se realiza na praia no domingo da Santíssima Trindade, 40 dias depois das Páscoa.
Capela do Senhor da Pedra |
A capela está implantada sobre maciço rochoso, no areal da praia de Miramar. Acredita-se que a origem do culto na Capela do Senhor da Pedra possa ter origem num antigo culto pagão, de carácter naturalista, dos povos pré-cristãos, cujas divindades eram veneradas em plena natureza, tendo posteriormente sido convertido ao Cristianismo.
Há várias lendas sobre a origem das capelas. Umas dizem que a capela foi construída como pagamento de uma promessa, por alguém que sobreviveu a um naufrágio em alto mar e foi salvo por uma onda que o transportou até à rocha. Outros acreditam que a imagem de Cristo foi ali parar, trazida pelo próprio mar e “que num belo dia pousou sobre aquela pedra onde, mais tarde, veio a ser erguida a capela”.
Outros ainda contam que, quando os habitantes de Gulpilhares se preparavam para construir uma ermida ao Senhor da Pedra, no terreiro conhecido por arraial, apareceu uma misteriosa luz, sobre os rochedos junto ao mar. Todas as noites a luz voltava a aparecer, fazendo os habitantes acreditar que era um sinal do Céu. Por esse motivo, desistiram da construção da ermida no arraial e resolveram construir a capela no sítio onde a luz costumava aparecer.
O número seis
A capela apresenta planta hexagonal. Internamente possuiu um altar-mor dois retábulos laterais de talha dourada em estilo barroco/rococó.
O número 6 tem uma importância particular na religião cristã, frequentemente associado à imperfeição, ao pecado e à natureza humana. Diferente do 7, que simboliza a perfeição e a totalidade divina, o 6 é visto como "um a menos" que a perfeição, o que o coloca em uma posição de incompletude.
Aqui estão alguns dos principais significados e referências do número 6 no cristianismo:
* A Criação do Homem: No livro de Gênesis, a Bíblia relata que o ser humano foi criado no sexto dia da criação. Essa associação do número 6 com a humanidade reforça a ideia de nossa natureza finita e imperfeita, distinta da perfeição de Deus.
* O "Número da Besta": A referência mais famosa e, muitas vezes, mais temida ao número 6 é encontrada no livro do Apocalipse. O capítulo 13, versículo 18, afirma: "Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. E o seu número é seiscentos e sessenta e seis (666)." Este número é frequentemente interpretado como um símbolo de mal, anti-cristo e o oposto da Trindade divina.
* Incompletude e Pecado: A repetição do 6 no 666 (três vezes) pode ser interpretada como uma tentativa de imitar a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), mas falhando, resultando em uma "trindade" de maldade e imperfeição. Enquanto o número 7 representa a perfeição de Deus, o 6 fica aquém, representando a falha humana em alcançar essa perfeição.
É importante notar que, embora o 6 seja associado a esses conceitos, ele não é inerentemente "mau" por si só. Seu significado é contextual, sendo interpretado principalmente à luz das passagens bíblicas em que aparece, especialmente em contraste com a simbologia de outros números como 3 (Trindade) e 7 (perfeição divina).