domingo, 19 de outubro de 2025

Viagem à Sicília - Dia 8: Ortigia

 



Siracusa, na costa sudeste da Sicília, é uma cidade que exala história em cada pedra. Fundada por colonos gregos de Corinto no século VIII a.C., rapidamente se tornou uma das maiores e mais poderosas metrópoles do mundo antigo, rivalizando com Atenas e Cartago. É um lugar onde a herança grega se funde de forma espetacular com o barroco e o mar Mediterrâneo.


Começámos a visita a esta cidade siciliana pela ilha de Ortigia, o centro histórico e o verdadeiro coração pulsante de Siracusa, uma pequena ilha ligada ao continente por pontes.



 Ortigia é um labirinto encantador de becos, ruelas estreitas, palácios de arenito com pátios escondidos e arquitetura barroca que se debruça sobre o mar.



No mercado junto ao Templo de Apolo abastecemo-nos de frutos secos e almoçámos numa barraquinha que só vendia peixe e marisco. 




Comemos uma dose de peixe e marisco frito e outra de polvo grelhado, acompanhado por uma deliciosa salada de tomate. 


Seguimos para a Piazza Duomo (Praça da Catedral),o coração pulsante e a joia arquitetónica de Ortígia, o centro histórico de Siracusa. É considerada uma das praças mais belas da Sicília, devido à sua forma oval alongada e à concentração de edifícios históricos de grande valor.

É aqui que se ergue a Catedral de Siracusa, oficialmente a Cattedrale Metropolitana della Natività di Maria Santissima (Catedral Metropolitana da Natividade de Maria Santíssima). Esta igreja é um testemunho fascinante de múltiplas civilizações.

É uma das maravilhas arquitetónicas mais fascinantes da Sicília, encapsulando mais de 2 500 anos de história numa única estrutura. É um extraordinário exemplo de reconversão, onde o sagrado e o secular se cruzam.



A catedral atual é um dos exemplos mais notáveis de reutilização arquitetónica, incorporando as colunas e a estrutura do antigo Templo de Atena (também conhecido como Athenaion), construído por volta de 480 a.C., após a vitória de Siracusa sobre Cartago.



 No exterior, é possível ver as grossas colunas dóricas do templo grego originais perfeitamente encaixadas nas paredes laterais da igreja.

 No interior, as colunas gregas formam a estrutura que divide as naves da igreja, mostrando claramente a sua origem pagã dentro do edifício cristão.

A conversão reflete as sucessivas dominações de Siracusa e a sua importância como centro de poder.

O Templo de Atena foi transformado numa basílica cristã por São Zósimo de Siracusa, um dos primeiros bispos. Os bizantinos construíram muros no espaço entre as colunas e abriram arcos nas paredes internas para criar a estrutura de três naves.

Durante o período de domínio árabe (sarraceno) na Sicília (a partir do século IX), a igreja foi transformada em mesquita. Esta era uma prática comum em edifícios religiosos proeminentes nas cidades conquistadas.

 Com a reconquista normanda no século XI (liderada por Rogério I), o edifício foi novamente consagrado como uma catedral cristã e restaurado à sua função original de igreja, com a adição de novos elementos arquitetónicos.

Portanto, o edifício passou por uma notável e rara sucessão de funções: Templo Pagão \Igreja Cristã \ Mesquita \ Catedral Cristã. Esta multifuncionalidade ao longo dos séculos faz dela um dos monumentos mais complexos e historicamente ricos do Mediterrâneo.

Durante o período normando (Século XI-XII), a estrutura foi reforçada e o aspeto de fortaleza foi acentuado, com elementos defensivos.


Ao entrar na Catedral, ficámos maravilhadas com as maciças colunas dóricas do antigo templo, que ainda se encontram perfeitamente visíveis e incorporadas nas paredes da nave. 


Em 1693, o terramoto que devastou o Val di Noto danificou o Duomo. A reconstrução resultou na atual e magnífica fachada barroca, que esconde e protege os seus tesouros gregos e medievais, tornando a Catedral de Siracusa um símbolo vivo da resiliência e sobreposição cultural da cidade.

Foi desenhada pelo arquiteto Andrea Palma e concluída entre 1728 e 1753, contrastando fortemente com a austeridade das colunas gregas visíveis no interior.


Ainda na praça Duomo temos a Igreja de Santa Luzia alla Badia (Chiesa di Santa Lucia alla Badia) é um dos edifícios religiosos mais importantes de Siracusa, notavelmente conhecida pela sua localização e por uma obra de arte de valor inestimável.

 Possui uma imponente fachada de estilo barroco siciliano e rococó tardio, que fecha a praça de forma pitoresca.

 A fachada é dividida em dois níveis: o inferior é decorado com um portal barroco, com colunas torcidas e emblemas da realeza espanhola; o superior apresenta uma varanda elaborada com grade de ferro forjado.

 A igreja foi reconstruída após o devastador terramoto de 1693, que destruiu grande parte da Sicília Oriental, e foi concluída por volta de 1703. O nome "alla Badia" (na Abadia) refere-se ao facto de ter sido anexada a um antigo mosteiro cisterciense dedicado a Santa Luzia.

 O interior, de nave única, é típico das igrejas monásticas. Possui uma abóbada decorada com um fresco do século XVIII que celebra o "Triunfo de Santa Luzia".

 A igreja é dedicada à Santa Padroeira de Siracusa, Santa Luzia. Historicamente, a varanda na fachada servia para que as freiras do convento pudessem assistir às procissões e celebrações na praça sem se misturarem com o mundo exterior.


Daqui fomos para a marginal, onde parámos junto da Fonte de Aretusa (Fonte Aretusa), uma nascente natural de água doce junto ao mar, ligada ao mito grego da ninfa Aretusa e do deus do rio Alfeu. O cheiro a sal e a presença de plantas de papiro selvagem tornam-na um lugar mágico. É um dos locais mais românticos e lendários da cidade. É uma nascente natural de água doce que brota a poucos metros do Mar Jónico, um fenómeno raro e notável.

O seu significado está profundamente enraizado na mitologia grega. A lenda conta a história da ninfa Aretusa, uma das seguidoras de Ártemis, que foi perseguida pelo deus do rio Alfeu enquanto se banhava na Grécia. Para escapar, Aretusa pediu ajuda à sua deusa, que a transformou numa nascente de água e a transportou sob o mar para a Sicília. O deus Alfeu, apaixonado, seguiu-a, e a lenda diz que as suas águas se uniram nesta fonte em Ortigia.

A Fonte de Aretusa é um pequeno espelho de água, geralmente rodeado por um muro circular. A sua característica mais marcante é o crescimento espontâneo de papiro selvagem (Cyperus papyrus), uma planta rara que prospera neste local.

Este oásis pitoresco, que mistura história, lenda e natureza, tem sido um local de culto e inspiração para poetas e escritores ao longo dos séculos. É um ponto de visita obrigatório ao pôr do sol, oferecendo uma vista magnífica sobre o porto.


 Seguimos em direção ao Castelo Maniace, uma imponente fortaleza, que fica na ponta extrema da ilha de Ortigia.

Foi mandado construir pelo Imperador Frederico II de Hohenstaufen no século XIII, entre 1232 e 1240, e é um dos maiores e mais importantes exemplos da arquitetura suábia (do período de Frederico II) em Siracusa.



O castelo recebeu o nome Maniace em homenagem ao comandante bizantino Giorgio Maniace, que reconquistou a cidade dos árabes no século XI.

 A sua localização estratégica permitia proteger e controlar o Porto Grande de Siracusa, sendo uma fortificação essencial contra ataques navais, piratas e forças invasoras. Ao longo da história, também serviu como residência real e prisão.

 Possui um desenho militar quadrado, com grossas muralhas de pedra e torres circulares nos quatro cantos. A arquitetura reflete uma mistura de influências góticas e normandas, com toques decorativos. No interior, destaca-se o grande salão (Sala Hipostila) com as suas abóbadas ogivais.

 Foi tendo várias modificações e reforços, especialmente durante o domínio espanhol, para se adaptar às novas tecnologias militares e armamento de pólvora. Foi danificado por um grande terramoto em 1693 e por uma explosão em 1704, tendo sido posteriormente restaurado.


Termino o dia de hoje com Arquimedes.  Arquimedes de Siracusa foi uma das mentes mais brilhantes da Antiguidade Clássica, sendo considerado um dos maiores matemáticos, físicos, engenheiros, inventores e astrónomos de todos os tempos.

Nasceu por volta de 287 a.C. e morreu em 212  a.C. em Siracusa, (que na época era uma colónia grega).

O seu legado abrange a matemática pura, a mecânica e a engenharia militar.

1. Física e Mecânica

 * Princípio de Arquimedes: Esta é a sua descoberta mais famosa, que ele teria feito ao entrar numa banheira, exclamando "Eureka!" (ερηκα, "Descobri!"). O princípio afirma que qualquer corpo imerso num fluido sofre um impulso vertical para cima (empuxo) igual ao peso do volume do fluido deslocado. Este princípio foi usado para desmascarar a fraude na coroa de ouro do Rei Hieron II.

 * Lei da Alavanca: É a ele atribuída a fundação da estática. A sua frase célebre sobre a alavanca é: "Dêem-me um ponto de apoio e moverei a Terra."

 * Parafuso de Arquimedes: Um dispositivo mecânico engenhoso, ainda hoje usado em algumas regiões (como no Egito) para elevar água de um nível baixo para a irrigação.

2. Matemática e Geometria

Arquimedes é frequentemente classificado ao lado de Isaac Newton e Carl Friedrich Gauss como um dos três gigantes da história da Matemática.

 * Cálculo do Pi (pi): Ele foi o primeiro a calcular uma aproximação razoavelmente precisa do número pi, utilizando o método de exaustão com polígonos inscritos e circunscritos num círculo.

 * Área e Volume: Ele desenvolveu fórmulas essenciais para a área da superfície e o volume da esfera e do cilindro. Ele tinha tanto orgulho da relação entre uma esfera e um cilindro circunscrito que pediu que figuras geométricas de uma esfera e um cilindro fossem gravadas no seu túmulo.

 * Cálculo Integral: Usando o "Método da Exaustão", ele conseguiu calcular a área sob o arco de uma parábola, o que é visto como um precursor do cálculo integral moderno.

 * O Contador de Areia: Nesta obra, ele desenvolveu um sistema engenhoso para expressar números extremamente grandes, necessários para calcular a quantidade de grãos de areia que caberiam no universo.

3. Engenharia Militar

Durante o Cerco de Siracusa pelos Romanos, Arquimedes usou o seu génio para a defesa da cidade:

 * Máquinas de Guerra: Inventou catapultas e outras máquinas de cerco que causaram grandes perdas à frota romana.

 * Espelhos Incendiários (Lendas): A lenda mais famosa diz que ele usou grandes espelhos côncavos ou escudos polidos para concentrar os raios solares e incendiar os navios inimigos.


Arquimedes morreu em 212 a.C. durante a conquista romana de Siracusa. Segundo a história mais conhecida, um soldado romano o encontrou concentrado num problema matemático desenhado na areia. Quando o soldado lhe ordenou que o seguisse e Arquimedes recusou, pedindo para terminar o cálculo ("Noli turbare circulos meos" - "Não perturbes os meus círculos"), o soldado, impaciente, matou-o com a espada, apesar das ordens do general romano Marcelo para que fosse capturado vivo.