Veio-nos cumprimentar ao acampamento o Administrador de Ruacaná, Fernando Hifilenya Naikete, que trouxe com ele o soba e o líder da comunidade.
Nas mãos , o soba trazia uma embalagem tetrapak de vinho tinto!
O soba é escolhido por consenso pelos mais velhos da
comunidade; antigamente a sucessão era feita por linhagem, só os da linhagem do
soba podiam ser eleitos sobas.
Chamou-me a atenção um pauzinho que o soba trazia
preso na orelha. Perguntei ao Administrador para que servia (o soba não falava Português).
“Para coçar a cabeça”. É claro! Com a pasta de lama seca que usam no cabelo é
impossível coçar a cabeça quando têm comichão. Um pauzinho ajuda.
Deixámos o acampamento e fomos ver as quedas de água do Ruacaná. Logo
início – e depois mais tarde – uns cornos no chão: um voodoo que foi feito para
dar sorte no concurso das 7 Maravilhas de Angola. Infelizmente não resultou. É
óbvio que as quedas do Ruacaná nunca iriam ganhar. Como poderia? Não que lhe
falte beleza, mas o concurso baseia-se no voto popular. As comunidades pedem o
voto às pessoas. Como Ruacaná poderia ganhar se tem pouquíssimos habitantes e a
maioria sem acesso à TV, a luz, etc?!
As Quedas do Ruacaná são um conjunto de
cataratas e rápidos no Rio Cunene. A
queda principal tem 120 metros de altura e cerca de 700 metros de largura, em
cheia máxima. O conjunto constitui uma das maiores quedas de água de África.
Devido ao uso da água do rio para a geração de energia, irrigação e
abastecimento público, as quedas de água ganham um aspeto mais majestoso
durante a época das chuvas. Infelizmente, estávamos na época do cacimbo e assim
só vimos um fiozinho de água.
Uns 80 km depois de Ruacaná, paragem em
Naulila. Sem sabermos o que nos esperava no percurso, tínhamos colocado na
janela do nosso jipe uma bandeira alemã
e uma bandeira portuguesa. A paragem em Naulila foi para vermos um monumento
ali colocado em homenagem aos portugueses que morreram no massacre feito pelos
alemães, que ficou conhecido como o “Desastre de Naulila” ou o “Combate de
Naulila” que teve lugar a 18 de dezembro de 1914. Também ainda existem três
campas coletivas alemãs. Como vem descrito em http://www.momentosdehistoria.com/MH_05_01_01_Exercito.htm,
de acordo com Marco Fortunato Arrifes,
na sua obra "A Primeira Grande Guerra na África Portuguesa, Angola
e Moçambique (1914-1918)", a questão do ataque do posto de Naulila,
resultou de uma acção punitiva alemã por causa da situação gerada em volta do
incidente de 19 de Outubro de 1914, e apesar de se verificar a existência de
deficiências organizativas e materiais, os portugueses conseguiram resistir
durante algum tempo. (…) a defesa de Naulila teve falta de
direcção e de comando, esforços dispersos que nunca chegam a termo, muito
embora a grande maioria das forças empenhadas se tenham batido com energia,
tenacidade e valor. (…) A força portuguesa em Naulila dispunha de 400
homens de infantaria europeus, 180 homens de infantaria indígena, 3 peças de
artilharia Erhardt e 4 metralhadoras, mais uma reserva de 240 homens de
infantaria europeus, 60 indígenas e 2 peças de artilharia Canet. A força alemã
do Major Frank compunha-se de 490 homens de infantaria, 150 auxiliares
indígenas, 6 peças de artilharia e 2 metralhadoras. O combate foi muito duro e
obrigou a uma retirada das forças portuguesas de Naulila para a segunda linha
em Donguena.”
Seguimos em picada não muito má mas com
muito pó até Xangongo, antiga Vila Roçadas, onde entrámos no alcatrão, onde abastecemos
os carros. O meu Pai esteve aqui no Forte Roçadas em 1948 e eu queria ver o
pórtico estava imortalizado numa foto. Quando Lanucha aqui esteve a comandar este
forte, erguido em 1906 na margem direita do rio Cunene, por forças portuguesas sob o comando do então Capitão José Augusto Alves
Roçadas, e que serviu como base militar para
ataques e ocupação das áreas do sul de Xangongo, o pórtico ainda estava de pé,
mas agora já não existe. Como o tempo escasseava, não nos foi possível entrar
na vila para ir ver de perto o forte.
Seguimos
por alcatrão até ao desvio para a Fazenda 3 N,
de Luís e Joca Nunes, situada na Tunda dos Gambos, delimitada pelo Parque do
Bicuari. 80 km de picada! Somos porém recompensados quando entramos na fazendo
onde foi construído o Vihua Lodge, um complexo hoteleiro de grande conforto onde
foram introduzidos animais selvagens importados da Namíbia.
Depois de almoço,
fizemos um pequeno safari onde porém só vimos gazelas, gnus, avestruzes e
zebras. Mais sorte tivemos à noite. Estando o Hans-Jürgen e eu no economato a ver
os nossos emails, chegou o administrador do lodge,
o Sr. Leite. Conversámos animadamente e a dada altura e pergunta-nos se tínhamos
tempo e queríamos ir ver uma coisa. Resposta afirmativa. Subimos para o jipe.
Ele tinha de ir fechar algo e após o ter feito, levou-nos a um safari noturno
privativo! Uma girafa pastava calmamente numa clareira. Ao ver as luzes do
jipe, foge para a floresta, correndo com harmonia.
Continuámos no trilho
e de repente passou mesmo em frente do jipe um enorme gunga ou elã (Taurotragus oryx). Um susto! Gazelas fugiam assim que viam
as luzes. Chegámos porém a uma zona sem uma única gazela. Estranho!, disse o
Sr. Leite. Parou o jipe, apagou as luzes e apontou a lanterna para a floresta.
Lá estava a onça com os seus olhos a brilhar! As gazelas tinham-na sentido e,
pura e simplesmente, fugiram para não serem apanhadas.