domingo, 1 de novembro de 2020

O voto negro

 

Não entendo como em pleno século XXI ainda continuamos a lutar – em Portugal, nos EUA e no resto do mundo - pelas mesmas causas de meados do século passado, sejam elas os direitos das mulheres, os direitos civis, ou o voto negro nos EUA, entre muitas outras. Parece-me que não evoluímos. Ou melhor, evoluímos mas estamos atualmente a andar em sentido contrário, voltando ao passado. Será que ninguém aprende com a História?

A cinco dias das eleições nos EUA discute-se… o voto negro. Como é possível este tema ainda estar sobre a mesa? Mas é uma realidade que a lei, ou melhor, as diversas leis americanas tudo fazem para impedir que muita gente vote. O acesso ao voto, que para nós é universal e sem espaço para discussão, é muito restrito. Teoricamente aqui nos EUA também, mas na prática tal não acontece. Em 1965 foi promulgada a Lei do Direito ao Voto (Voting Rights Act) que dava acesso ao voto aos negros. Infelizmente, em 2013, o Supremo Tribunal de Justiça americano, dominado pela direita conservadora (agora ainda mais) invalidou com 5 contra 4 votos partes muito importantes desta lei, autorizando nove estados, essencialmente no sul, a alterar as leis eleitorais sem autorização federal prévia e impondo restrições aos eleitores e ao direito ao voto. Discriminação racial. Um passo atrás na igualdade.

Este ano, tudo parece estar fora de controlo neste campo (e, infelizmente, também noutros). Grupos da extrema-direita estão a ameaçar a usar todos os meios legais ao seu dispor para limpar os cadernos eleitorais. Na Flórida, por exemplo, com um governo republicano, promulgou um aditamento à lei eleitoral estadual na qual ex-prisioneiros que já cumpriram as suas penas só poderão votar se tiverem pagas todas as multas e taxas ainda em aberto. Este aditamento põe em causa do voto de milhões de eleitores de minorias. Há quem diga que este aditamento é anticonstitucional, mas com juízes da direita, nomeados pelo Presidente Trump, tudo é possível.

Para permitir que essas pessoas possam votar, Mike Bloomberg, antigo presidente da Câmara de Nova Iorque, angariou 16 milhões de dólares para ajudar ex-reclusos da Florida – de facto, 32 mil eleitores negros e latinos - a pagar as multas e assim poderem votar na próxima 3ª feira.

Ataques ao voto negro não são uma novidade este ano. No s anos 80 do século XX, o Partido Republicano foi levado a tribunal por intimidar eleitores de minorias étnicas, tendo-se comprometido a não se envolver em “segurança” dos locais de voto. Este compromisso era válido até 2018. Desde então, o Partido Republicano tem vindo a investir milhões de dólares para bloquear os esforços de quem quer que as eleições corram de modo ordeiro, seguro e acessível.

As campanhas de desinformação têm sido muitas. Recentemente, alguns ativistas da extrema-direita foram condenados num tribunal de Michigan por estarem a fazer telefonemas a eleitores de Detroit, informando que através dos votos a policia iria apanhar quem tivesse dívidas e iria enviá-las para o tribunal.

No estado de Geórgia, a associação Black Lives Matter alugou um autocarro para levar 40 idosos negros ao local de voto. Quando lá chegaram, foram proibidos de votar porque esta ação foi considerada “propaganda eleitoral”.

Ações de intimidação ao voto têm sido denunciadas ao longo de todo o processo eleitoral, que começou já há algumas semanas, e têm ocorrido essencialmente em comunidades predominantemente negras ou de ouras minorias étnicas.

Quando pensamos nos EUA pensamos em eleições livres em verdadeira democracia, mas a realidade é infelizmente outra, levando-nos por vezes a pensar que estamos nalgum país corrupto do chamado Terceiro Mundo, e não no autoconsiderado Primeiro Mundo.