Não entendo como em pleno século XXI
ainda continuamos a lutar – em Portugal, nos EUA e no resto do mundo - pelas
mesmas causas de meados do século passado, sejam elas os direitos das mulheres,
os direitos civis, ou o voto negro nos EUA, entre muitas outras. Parece-me que
não evoluímos. Ou melhor, evoluímos mas estamos atualmente a andar em sentido
contrário, voltando ao passado. Será que ninguém aprende com a História?
A cinco dias das eleições nos EUA discute-se… o voto
negro. Como é possível este tema ainda estar sobre a mesa? Mas é uma realidade
que a lei, ou melhor, as diversas leis americanas tudo fazem para impedir que
muita gente vote. O acesso ao voto, que para nós é universal e sem espaço para
discussão, é muito restrito. Teoricamente aqui nos EUA também, mas na prática
tal não acontece. Em 1965 foi promulgada a Lei do Direito ao Voto (Voting Rights Act) que dava acesso ao
voto aos negros. Infelizmente, em 2013, o Supremo Tribunal de Justiça americano, dominado pela direita
conservadora (agora ainda mais) invalidou com 5 contra 4 votos partes muito
importantes desta lei, autorizando nove estados, essencialmente no sul, a
alterar as leis eleitorais sem autorização federal prévia e impondo
restrições aos eleitores e ao direito ao voto. Discriminação racial. Um passo
atrás na igualdade.
Este ano, tudo parece
estar fora de controlo neste campo (e, infelizmente, também noutros). Grupos da
extrema-direita estão a ameaçar a usar todos os meios legais ao seu dispor para
limpar os cadernos eleitorais. Na Flórida, por exemplo, com um governo republicano,
promulgou um aditamento à lei eleitoral estadual na qual ex-prisioneiros que já
cumpriram as suas penas só poderão votar se tiverem pagas todas as multas e
taxas ainda em aberto. Este aditamento põe em causa do voto de milhões de
eleitores de minorias. Há quem diga que este aditamento é anticonstitucional,
mas com juízes da direita, nomeados pelo Presidente Trump, tudo é possível.
Para permitir que essas
pessoas possam votar, Mike Bloomberg, antigo
presidente da Câmara de Nova Iorque, angariou 16 milhões de dólares para ajudar
ex-reclusos da Florida – de facto, 32 mil eleitores negros e latinos - a pagar
as multas e assim poderem votar na próxima 3ª feira.
Ataques ao voto negro não são uma novidade este ano.
No s anos 80 do século XX, o Partido Republicano foi levado a tribunal por
intimidar eleitores de minorias étnicas, tendo-se comprometido a não se
envolver em “segurança” dos locais de voto. Este compromisso era válido até
2018. Desde então, o Partido Republicano tem vindo a investir milhões de
dólares para bloquear os esforços de quem quer que as eleições corram de modo
ordeiro, seguro e acessível.
As campanhas de desinformação têm sido muitas.
Recentemente, alguns ativistas da extrema-direita foram condenados num tribunal
de Michigan por estarem a fazer telefonemas a eleitores de Detroit, informando
que através dos votos a policia iria apanhar quem tivesse dívidas e iria
enviá-las para o tribunal.
No estado de Geórgia, a associação Black Lives Matter
alugou um autocarro para levar 40 idosos negros ao local de voto. Quando lá
chegaram, foram proibidos de votar porque esta ação foi considerada “propaganda
eleitoral”.
Ações de intimidação ao voto têm sido denunciadas ao
longo de todo o processo eleitoral, que começou já há algumas semanas, e têm
ocorrido essencialmente em comunidades predominantemente negras ou de ouras
minorias étnicas.
Quando pensamos nos EUA pensamos em eleições livres
em verdadeira democracia, mas a realidade é infelizmente outra, levando-nos por
vezes a pensar que estamos nalgum país corrupto do chamado Terceiro Mundo, e
não no autoconsiderado Primeiro Mundo.