segunda-feira, 22 de março de 2021

Caminhadas pela Serra de Belas e Serra da Carregueira

O confinamento e a proibição de sair do concelho fez-nos puxar pela imaginação e descobrirmos a nossa própria freguesia. Há uns anos a nossa freguesia de Queluz juntou-se à de Belas e agora moramos na União de Freguesias Queluz e Belas.



Aqueduto 


Para darmos passeios noutros sítios que não as eternas matas da JAE e da matinha de Queluz, procurámos no mapa Google outras zonas verdes. Descobrimos assim a Serra de Belas, que na realidade se chama Serra da Carregueira. Há muitos trilhos que cortam a Serra da Carregueira. Num primeiro sábado estacionámos junto ao cemitério de Belas. Seguimos por um carreirinho. Primeiro obstáculo: uma ponte muito artesanal sobre um riacho (um braço do Jamor?) cujos acessos eram um tapete de lama escorregadia, a parecer manteiga derretida. Sem termos caído, continuámos e entrámos na mata de Belas. Logo depois chegámos ao Aqueduto de Belas, um dos aquedutos secundários que levam a água até ao Aqueduto das Águas Livres e que em parte aproveitam o aqueduto romano. Todo o caminho está ladeado de mimosas, a florir nesta época. Mimosas atraem abelhas e assim o nosso passeio teve música de fundo: o zumbir de milhares de abelhas. Um pouco mais à frente, numa eira, estão instaladas muitas colmeias dum apicultor local. Deve ser muito bom este mel. 

Continuámos até ao ponto mais alto serra, a 334 metros. Do cimo da torre de observação a paisagem é espetacular, podendo até ver-se o estuário do Tejo!

A torre de vigia

 


No dia seguinte voltámos a deixar o carro no cemitério e fomos para o lado oposto. Queríamos ir pela Quinta da Fonteireira mas.. chapéu! O portão estava fechado e com muitos, sim, muitos avisos de “Propriedade privada. Proibida a estrada”. Percebemos que não nos queriam lá dentro. Atravessámos então a estrada e seguimos em direção à Casa dos Lobos, igualmente fechada. Logo a seguir um riacho dificultava a passagem. Tinha chovido muito nos dias anteriores e o riacho estava um ribeirinho. Umas pedras, algumas delas bastante movediças, faziam um caminho, mas que apesar de tudo ainda deixariam os sapatos molhados. Não quis arriscar ficar com os ténis todos molhados logo no início da caminhada, descalcei-os e fui pelo meio da água. Chegada ao outro lado, sequei os pés nas calças de treino, calcei os sapatos e segui.

Chegámos a um portão que estava aberto. Na parede lateral um aviso de Propriedade privada. Mas vi um casal a passear um cão que não me pareceram serem os donos. Perguntei se poderíamos entrar e usar os trilhos. Disseram-nos que sim, que os donos não se importavam. Passámos então o portão. Um pouco mais ao fundo, um grande portão, fechado. Estávamos na Quinta do Bomjardim. De origem quinhentista, aqui se reunia, sob os auspícios dos condes do Redondo e Vimioso, a elite cultural dos séculos XVIII e XIX. A propriedade terá sido adquirida em 1587, edificando-se então a casa ao gosto renascentista. O pátio de entrada, de grandes dimensões, é antecedido por um arco de cantaria, encimado com o brasão dos Sousa do Prado, de época posterior. Não vimos nem o interior da casa, nem a capela com os seus painéis, alusivos à Paixão de Cristo, e com a Última Ceia, de barro cozido policromado, de Machado e Castro (século XVIII) – e que esteve em exposição ao público na Expo 98 - , nem os jardins em estilo francês que se desenham a partir da casa principal, em patamares de labirintos de buxo, organizados geometricamente em função dos tanques e fontes. Parece que dentro da propriedade ainda existe os restos de uma calçada romana.

Na semana seguinte, seguimos outro caminho. No final da descida que fizemos depois do estacionamento vimos a Fonte da Bica


Fonte da Bica

Depois, tomámos o caminho em frente da fonte. Passámos pela Old House

Old House


e depois caminhámos um pouco paralelo à Ribeira da Fonteireira. As águas cantavam, límpidas corriam por entre tufos de ervas. Um pequeno passadiço de pedras leva-nos ao outro lado da ribeiro, onde está uma mina de água. Será que é a mina de água já referida em 1892, por Alfredo Luís Lopes na obra "Le Portugal Hydrologique"?“na Quinta de Janses, existe uma grande profunda mina de água férrea, que borbulha de uma rocha de quartzo e pirite…” 

Mina de água



O dia está lindo. Parece que todos os  passarinhos se juntaram para, chilreando, louvar o dia maravilhoso que estava. As abelhas zumbem à volta das mimosas em flor, dum amarelo tão forte que fazem lembrar o sol. Borboletas amarelas e brancas esvoaçam à nossa volta e acompanham-nos em parte do nosso caminho, feito com muitas raízes de árvores e arbustos e com muitas pedras antigas que não sabemos se foram colocadas por mão humana ou se ali surgiram. 




Vista do cimo de um dos cabeços


Cogumelos






domingo, 14 de março de 2021

Da Praia Grande à Praia da Adraga pelas falésias

 

Praia Grande, vista da falésia dos dinossauros

O plano para hoje era um 8: deixar o carro estacionado na ponta sul da Praia Grande, junto à ENORME escadaria mesmo junto à falésia com as pegadas dos dinossauros, ir até à Praia da Adraga, voltar, descer a escadaria e fazer toda a Praia Grande (que não é tão grande assim).



O caminho é muito bonito porque é sempre no topo da falésia. É muito engraçado ver a Praia da Adraga do cimo. Tem-se uma perspetiva diferente, mas mantém toda a beleza. Lembras-te daquele rochedo com uma fenda ao meio, mesmo em frente ao restaurante? Há imenso rochedos de diversas formas isolados das arribas, já meio perdidos no mar, parecendo que estão à deriva no Atlântico. É uma prova geológica de como a erosão tem sido agressiva por aqui. Descemos até ao parque de estacionamento… para depois voltar a subir. Claro que a subida exigiu mais fôlego e mais trabalho de pernas…

Praia da Adraga, vista da falésia


Quando chegámos de novo ao carro (tínhamos feito metade do 8), estávamos no topo da dita escadaria da ponta sul da Praia Grande. Um grande cartaz informa quer é proibido circular por haver perigo de derrocada. A escadaria de 335 (!) degraus - exige fôlego para se subir (mas agora não é possível fazê-lo) está mesmo encostada à arriba, uma enorme parede de quase 100 m de altura, praticamente na vertical. Nesta arriba, uma rocha sedimentar calcária, há 66 pegadas de dinossauros. Há cerca de 120 milhões de anos havia neste local uma planície onde ficaram marcadas as pegadas nestas rochas sedimentares. Quando há cerca de 80 milhões de anos irrompeu o maciço da Serra de Sintra, estas rochas dobraram-se e ficaram quase na vertical mostrando as pegadas de dinossauros (saurópodes e terópodes).

Pelas falésias da Adraga

 Não queríamos ir contra a lei que proíbe a saída do concelho mas queríamos fazer uma caminhada junto ao mar. Temos a sorte de haver praias no concelho de Sintra e assim podermos fazer caminhadas na ou junto à praia sem infringir a lei. O plano era ir da praia da Adraga até à praia Grande sempre pelo topo da falésia.

O plano era deixar o carro no estacionamento ao pé do restaurante da praia da Adraga e depois caminhar. Mas a meio da descida para o restaurante, a estrada estava bloqueada… calculamos para impedir que as pessoas fossem à praia. Junto à rede que estava a fechar a estrada, já havia vários carros estacionados. Decidimos então também deixar o nosso. E em vez de seguirmos em frente à praia da Adraga, resolvemos subir o caminho que estava mesmo à nossa esquerda e que tinha uma seta a dizer “Cabo da Roca – 3200 m”. O Cabo da Roca? Será que se poderia chegar,  a pé, pelas falésias da Adraga ao cabo da Roca?!

Lá subimos o íngreme caminho. Muito vento. Mas mais vento houve quando chegámos ao topo, ao cima da falésia. Aí sim, o vento era agreste, frio e forte. Lembrei-me que há largos anos também tínhamos subido ao topo da falésia e que tínhamos visto um poço muito fundo com uma ligação mar. Lá estava ainda. É o Fojo dos Morcegos. Agora todo protegido para que ninguém lá caia abaixo.  Mas fojo? Nunca tinha ouvido a palavra. Fui então ao dicionário. “O Fojo é um abismo aberto na rocha de onde se pode observar no fundo a agitação das ondas.”

Fojo dos Morcegos


Como aquelas pedras são de origem calcária, vão abrindo frechas e falhas pela ação corrosiva da água da chuva, conjugada com a ação erosiva das ondas, que originam poços e cavernas, afunilados e profundos, até chegarem ao nível do mar. Este fojo é tão profundo (90 metros!!!!) e tão escuro que recebeu o nome de Fojo dos Morcegos. Há muitas lendas.

Crê-se que no fundo do Fojo dos Morcegos está uma nereida a cantar.

Uma outra lenda, do tempo dos romanos, diz-nos que os Romanos acreditavam existir um Tritão a tocar búzio no fundo do Fojo - mas na realidade, o que se ouve são as ondas a bater nas rochas. O fenómeno foi tão interessante que foi enviada uma embaixada ao imperador Tibério (entre o ano 14 e 34 d.C.) para relatar o que se passava naquele buraco.

Pensámos que haveria um caminho do Fojo até à praia da Adraga. Metemo-nos por meios dos arbustos, mas não chegámos a lado nenhum – só serviu para ficarmos com as pernas todas arranhadas.



Demos meia volta e resolvemos ir então em direção ao Cabo da Roca, o Promontorium Magnum dos Romanos, o ponto mais ocidental da Europa continental. O trilho percorre o topo da falésia e assim vamos sempre a ver o mar, cheio de ondas. Uma paisagem linda. Mas sempre a subir e a descer, num percurso acidentado, por vezes pouco visível no meio de arbustos (ai, as pernas!), que obriga a ir travando para não escorregarmos pelo caminho e a força nas de pernas nas subidas.  Temos de descer um caminho cheio de pedras que também vai dar à Praia da Ursa, cujo nome deriva de um dos enormes calhaus do areal, que lembra uma ursa a olhar o céu. Claro que também há uma lenda: Há vários milhões de anos, vivia aqui uma ursa com seus filhotes. Quando o degelo começou, os Deuses pediram à ursa e a todos os outros animais que abandonassem as zonas da costa, ordem que a ursa não respeitou. A fúria dos Deuses foi tal que decidiram petrificar a ursa e os filhos, e ali ficaram até hoje, representados no enorme rochedo e nos pequenos que pontuam à sua volta.

Para ir para o Cabo da Roca, não é preciso descer até à praia. Subimos a encosta mas, a certa altura, o caminho no topo da falésia termina e para chegar ao Cabo da Roca teremos de ir pela estrada de terra batida. Resolvemos voltar para o carro. No caminho, feito em parte na estrada de batida, ao lado da qual existem vinhas que fazem parte da Rota do Vinho de Calores e Carcavelos.

Foi uma caminhada linda. Ver do cimo da falésia o mar agitado em baixo é maravilhoso.