sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Uzbequistão - 11º dia

 


Não sei quem disse : En toute chose il faut considerer la fin. Mas é uma verdade. Hoje foi o último dia da nossa viagem. 



Começámos pelo mausoléu de Shah-i-Zinda. O seu nome significa “Túmulo do Rei Vivo” e é o lugar onde descansam os restos mortais de muitos dos monarcas que reinaram sobre estas paragens assim como de outros notáveis do Uzbequistão e muitos dos seus familiares. 

Aqui se encontram trabalhos extraordinários em mosaico, como o que se observa no túmulo de Shodi Mulk Oko, de meados do século XIV, cujo acabamento foi de tal qualidade que até aos dias de hoje basicamente não necessitou de nenhum restauro.




O túmulo principal é o que se pensa ser o túmulo de Qusam ibn-Abbas, primo do profeta Maomé, que terá trazido o Islão para esta região no século VI. O próprio Maomé terá dito sobre o primo: “É a pessoa mais parecida comigo em caráter e fisionomia “.

Vir três vezes em peregrinação a este túmulo vale uma peregrinação a Meca. E, na realidade, vimos duas senhoras a rezar  fervorosamente em voz alta. 

Depois da visita a este mausoléu tomámos um táxi para o mausoléu do Tamerlão. Só que está a decorrer uma cimeira internacional com diversos chefes de estado e muitas ruas cortada. Conclusão: após muitas voltas, acabando sempre por esbarrar na polícia largámos o táxi e resolvemos ir almoçar. Encontrámos uma pastelaria, Café Chocolat, com um aspeto muito delicado e almoçámos … bolos!




Depois deste almoço original fomos a pé até ao mausoléu do Tamerlão. Ao passarmos pela estátua desse governante percebemos a razão do engarrafamento e das ruas cortadas: tinha decorrido ali uma homenagem a este grande monarca com colocação de uma coroa de flores. 


Alguns metros adiante está o belíssimo mausoléu de Gur-e-Amir. Neste monumental mausoléu repousam os restos mortais de Timur, de dois dos seus filhos e de dois netos, incluindo Ulugbek, responsável por uma das mesquitas do Reguistão. 



O corpo de Tamerlão não deveria ter sido colocado aqui. Ele  até tinha preparado uma cripta para si em Shakhrisabz. No entanto, a 18 de fevereiro de 1405, Timerlão morre inesperadamente, segundo parece vítima de uma pneumonia, quando se encontrava no Cazaquistão a organizar uma invasão à China.

Nesse ano, o inverno estava a ser rigoroso e o acesso a Shakhrisabz não era possível . Decidiu-se , que seria sepultado neste mausoléu, construído apenas um ano antes para receber a sua descendência quando chegasse a altura.

Interessantemente, quando um antropólogo soviético abriu a cripta, em 1941, concluiu que Tamerlão era um homem alto para a sua época, tendo cerca de 1,70 m. Detectou igualmente sinais de deficiências na perna e no braço direito, provavelmente fruto das feridas dos vários combates, e que Ulugbek tinha sido decapitado. No interior da cripta encontrou uma inscrição que dizia: quem violar este espaço terá que enfrentar um inimigo mais temível que eu próprio”.  Estava-se a 21 de Junho e no dia seguinte os exércitos de Hitler invadiam a URSS! 

Para finalizar a nossa viagem, fomos ao Museu Regional de História que está na antiga casa de um milionário judeu. 

E terminámos a nossa viagem com a chave de ouro no restaurante  Samarcanda, onde encontrámos uma uzbeque a falar fluentemente Português por ter vivido oito anos no nisso país. 





Tivemos um jantar delicioso e muito divertido num enorme restaurante no qual até tivemos direito a mùsica ao vivo que entusiasmou as senhoras para dar um pezinho de dança.  

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Uzbequistão - 10º dia


Não há comparação entre dormir no catre do comboio noturno entre Khiva e Tashkent e uma boa cama de hotel! Após a nossa chegada ao hotel, deitámo-nos e dormirmos profundamente até o despertador tocar para irmos para o pequeno-almoço. 





Hoje, chegou finalmente a vez de ver Samarcanda, a rosa preferida dos Timúridas.  É a segunda maior cidade do Uzbequistão com meio milhão de habitantes, e localiza-se no vale do Zerafshan, a cerca de 200 km a oeste de Tashkent(Khiva, de onde viemos, está a 1 000 km da capital). 

Tem por detrás de si uma longa história, tendo acumulado influências culturais, bebidas dos diversos povos que a conquistaram e administraram. Macedónios, árabes, mongóis e, talvez o mais determinante para a evolução recente de Samarcanda, o grande Tamerlão, com raízes turco-mongóis, que chegou nos finais do século XIV e fez dela a sua capital. 

Samarcanda foi um ponto essencial na importante Rota da Seda, sofreu razias, foi reconstruída. O seu charme valeu-lhe epítetos diversos dos poetas que a cantaram: “Espelho do Mundo”, “Jardim da Alma”, “Jóia do Islão, “Pérola do Oriente”, “Centro do universo” ou “Roma do Oriente”. Em 2001 foi integrada na lista de património Mundial da Humanidade da UNESCO. 

Hoje em dia a cidade está dividida em duas grandes áreas: a parte antiga, onde se localizam os monumentos grandiosos, e a parte moderna, construída sobretudo ao longo do século XX, durante a era soviética.

Obviamente começámos a visita pelo 

Registão, o local que motivou esta viagem. 

O Reguistão é a grande praça de Samarcanda, o centro da sua arquitectura monumental da era de Tamerlão e, sem dúvida , o seu local mais emblemático. É a sala de visitas do Uzbequistão. 



Na época medieval existia aqui o principal mercado da cidade e foi a área escolhida para a obra mais grandiosa da cidade, a obra que transformaria Samarcanda e a marcaria até aos dias de hoje.

Os principais edifícios do complexo, todos - fachadas, pátios centrais, falsos minaretes e cúpulas - cobertos por milhares de bocadinhos reluzentes e coloridos de cerâmica, são as três madraças e a mesquita atrás de uma delas. 



A madraça de Ulugue Begue, terminada em 1420, e mandada construir pelo seu neto que lhe deu o nome, foi a primeira a surgir. Seguiram-se a de Sher Dor e a de Tilla-Kari, esta última datada de 1640.



A madraça de Sher Dor ou Shir Dar, do lado direito da praça, destaca-se pelos dois grandes leões às riscas (tigres), no cimo da fachada central que são um elemento contraditório e tardio e que não está ainda muito bem explicado. Sherdor, significa "com leões" em farsi. A “madraça do tigre” é das construções mais exemplares da época, provavelmente no mundo inteiro.

Foi construída entre 1619 e 1636 por ordem do hakim Yalangtush Bakhodur ,  o governador de Samarcanda à época. 

Na área ocupada pelo edifício existiu antes um bazar coberto, mandado construir no século XIV por Tumã-Aca, uma das consortes de Tamerlão. O neto deste, Ulugue Begue, mandou demolir esse mercado para construir um khangah (lugar de retiro espiritual) adjacente à sua madraça. 

A fachada principal, virada para Praça do Reguistão e para a Madraça Ulugue Begue é simétrica e formada por três volumes contrastantes: um imponente portal retangular, duas cúpulas gémeas com nervuras e dois minaretes esguios (um em cada uma das esquinas).



A madraça Tilla-Kari, cujo nome significa "obra dourada" ou "coberta de ouro", uma referência ao estilo de pintura kundal usado na sala de oração, que é profusamente decorada com relevos dourados, fica entre as outras duas madraças. 

Antes da madraça ser construída, no local existia o  caravançarai Mirzoi, que fazia parte dum complexo construído no século XIV por Tumã-Aca, uma das consortes de Tamerlão. Em meados do século XVII a cidade assistia a um declínio do sua atividade comercial, pelo que aparentemente o caravançarai era dispensável. Embora inicialmente tivesse sido construído para ser um seminário teológico, o edifício tornou-se rapidamente a Mesquita da oração de sexta-feira da cidade, devido à sua ampla sala de oração e ao péssimo estado da mesquita de Bibi Hanim (a maior de Samarcanda, construída em 1399–1404), e à demolição da Mesquita Alikeh Kukeltash (construída em 1440).



A madraça foi concebida para ser a maior estrutura - e mais ornamentada - do Reguistão. A fachada com 120 metros de comprimento marca o lado norte da praça, aliviando a simetria opressiva desta com a colocação da cúpula principal (da mesquita) fora do eixo. Um atrevimento do arquitecto com benefícios óbvios. 

A mesquita tem um grande cúpula ao centro que assenta num tambor cilíndrico alto. O azul monocromático da cúpula contrasta com a policromia do tambor, que é decorado com faixas de caligrafia. 


O tempo e os abalos sísmicos frequentes na região foram desgastando as estruturas e no início do século XX eram pouco mais do que ruínas. As autoridades soviéticas investiram na requalificação do complexo, uma obra ambiciosa que se estendeu ao longo de quase todo o século.


Depois de nos maravilharmos com os monumentos do Reguistão, continuámos a ver a cidade. 

Sem nos termos apercebido de que a mesquita de Bibi Hanim ficava relativamente perto apanhámos um táxi. O taxista disse-nos que seria 5000 som. Entrámos, começámos a viagem e ele disse-nos que eram 15000 som, “5000 por cada”. Protestámos, mandámos para o táxi e saímos. 

No passeio estavam duas raparigas a quem pedimos se poderiam chamar-nos um táxi pela plataforma Yandex (o Uber daqui). Elas disseram que a mesquita não era longe e que iriam lá connosco. Atravessámos o parque conversando com elas e ficando a conhecer um pouco melhor a juventude uzbeque. 



A mesquita de Bibi Hanim foi construída ainda na época de Tamerlão, entre 1399 e 1404, financiada pelo espólio que resultou da sua invasão da Índia. Chegou a ser uma das maiores mesquitas do mundo, com uma enorme cúpula azul a elevar-se aos 41 metros e um portal de entrada apenas um pouco mais baixo.

Quando foi construída deveria ter capacidade para receber toda a população masculina de Samarcanda, para a Oração de Sextas-feiras. Mas as suas elevadas proporções fragilizaram a estrutura e pouco tempo após a sua conclusão uma parte da mesquita ruiu.

Em 1897, um sismo provocou sérios danos na mesquita m, passando uma boa parte do século XX como uma ruína.  Nos anos 70 sofreu algumas obras de restauro, que se concluíram já após a independência do Uzbequistão.



Mesmo atrás da mesquita está o Bazar de Siaab, que foi durante séculos o local de reunião da comunidade, o sítio onde as pessoas sociabilizavam e trocavam informações. Muito organizado, aqui vendem-se frutos secos, especiarias, fruta, legumes, carne e pães 


Uzbequistão - 9º dia



Começámos o dia a ver uma padeira a preparar os “somsa”, uns pastéis típicos uzbeques que podem ser recheados com carne (vaca, frango ou borrego) ou legumes (abóbora ou batatas).



Seguimos para a Dichan Kala (a parte baixa da cidade) com monumentos igualmente interessantes. 



Começámos pelo mercado de Khiva, que é todo ao ar livre. Pululava de vida. Mal se podia andar. As pessoas acotovelavam-se para poder avançar por entre as bancas de vendas. De quando em quando um grito de homens que, com carrinhos de mão, transportavam sacas de arroz ou qualquer objeto mais pesado. 



Não havia lógica alguma na atribuição das bancas. Se em Tashkent tudo estava organizado por tipo de produto a vender, aqui no bazar de Khiva, tínhamos bancas de detergentes ao lado de bancas de bolos que, por sua vez, tinham como vizinhos sapateiros, que estavam ao lado de talhantes. Entropia total. 


Tudo é vendido a granel : massas diversas,n-variedades de arroz, detergente para a máquina, chocolates , halva, até coscorões. Muito impressionantes são os berços para bebés que são tapados com panos muito espessos. Todos os berços têm um buraco. Calculamos que os bebés não usem fraldas e façam cocó diretamente pelo buraco para um bacio. 


Esta região, tal como muitas outras da Ásia Central, está cheia de histórias sobre a vida luxuosa dos khans e emires orientais. E, é claro, cada governante tentou cercar-se de palácios,  jardins maravilhosos e impressionantes salões reais. Para este propósito, foram convidados os artesãos mais habilidosos, joalheiros e artesanato arquitetónico.

Depois do bazar quisemos ir ver um palácio do século XIX. Não sabendo bem onde seria a entrada, perguntámos a uma rapariga que se cruzou connosco. A rapariga falava muito bem Inglês e dissemos-lhe. Ela agradeceu e perguntou donde éramos. Ao ouvir a resposta, disse: “Eu também sou portuguesa. Da Póvoa do Varzim. “ O espanto foi mútuo. Uma portuguesa a viajar sozinha pelo Uzbequistão!

O Palácio Nurullabay transmite a história de Khiva do final do século XIX e início do século XX e não é inferior a outros palácios em beleza e charme, brilho e esplendor. A história da construção do palácio é interessante.

Muhammad Rakhimkhan II (1845-1910) pediu a Nurullabay, um comerciante rico de Khiva, para lhe vender seu jardim. Nurullabay concordou, mas com uma condição: que  o nome do jardim permanecesse o mesmo. O Khan concordou. Assim, o nome Nurullabay foi preservado. Muhammad Rakhimkhan II decidiu construir um grande palácio de verão no território do jardim para seu filho favorito, Asfandiyar Khan (1871-1918).



Como só tínhamos a manhã livre, regressámos à parte cercada da cidade para almoçar e apanhar o táxi para a estação dos comboios. Enquanto nos preparávamos, olhámos para os bilhetes e apercebemo-nos de que estes não deveriam ser na classe VIP, como queríamos, mas em 2ª. Mais: viajaríamos na mesma carruagem, mas separadas umas das outras. 

Quando entrámos na estação, perguntámos à funcionária que via os bilhetes se seria possível ficarmos juntas. “Falem com o revisor. “

Meia hora antes da partida, as portas abriram-se e os passageiros puderam começar a embarcar. Perguntámos ao revisor responsável pela carruagem se poderíamos ficar juntas. O senhor não falava uma palavra de Inglês, mas percebemos que seria possível uma cabine se lhe pagássemos. Entrámos e ele apontou para a sua cabine. Cada revisor tem uma mini-cabine de trabalho e outra muni-cabine com um beliche para descansar. Era muitíssimo pequena, claustrofóbica . Abandonámos a ideia e ocupámos os nossos lugares/catres. O problema é que os nossos três lugares eram no andar de cima do beliche e não em baixo, mas como o comboio partiu praticamente vazio , instalámo-nos nos catres do andar inferior, pensando que conseguiríamos trocar com o passageiro que tivesse o catre inferior. 

À medida que se aproximava a hora da partida, o comboio começou a encher.  Chegou um homem que tinha o lugar da minha amiga. Nós tentámos explicar que ela não conseguia trepar para o andar de cima, nas o homem não se comoveu e exigia que a minha amiga saísse de imediato. O senhor não se comoveu e a minha amiga teve de libertar o lugar. 

A minha outra amiga começou a ficar ansiosa se lhe poderia acontecer o mesmo e decidiu voltar a negociar com o revisor. Este pediu 250 mil som (€25!!!!) por ceder a sua cabine. Tentámos negociar, baixar para 200 mil som, mas sem êxito. Acabámos por lhe dar 240 mil, dizendo-lhe que não tínhamos mais. Um belo suplemento ao seu ordenado e ainda por cima sem impostos! 

À hora certa o comboio partiu. Passados 20 minutos chegou a Urgench. Aqui entrou muita gente. Eu continuei deitada no meu catre a ler uma revista. A dada altura senti algum alvoroço à minha volta. Continuei concentrada na revista, mas o alvoroço aumentava até que senhora muito gorda, a cheirar muito a cebola, com muitas malas, embrulhos, sacos e saquinhos me tocou na perna e disse algo excitada, em russo, que aquele lugar era o dela e o meu seria o do andar superior. Sem responder, levantei-me, peguei na minha mochilinha e nos meus casacos e fui pedir abrigo às minhas amigas. Como elas não conseguiam subir para o catre superior, acolheram-me de braços abertos - desde que eu trepasse. Assim fomos as três numa cabine de 1,2 x 1,6 m de Urgench a Samarcanda. 9h. Muito divertido! Eu (quase) esticadinha e elas duas sentadas no catre. Comemos bolachas, cajus, bolos de frutos secos, bananas, tudo acompanhado pela melhor bebida do mundo: água (à falta de um bom cocktail…)

A paragem em Urgench foi muito longa, quase uma hora. Quando por fim partimos, apareceu na nossa cabine um outro revisor. Temi que nos viesse expulsar ou quiçá pedir algo mais. Mas não, só quis tirar a sua mala que estava debaixo do catre inferior. 

Os três revisores fizeram a viagem de cócoras no corredor…

As necessidades fisiológicas obrigaram-nos a utilizar a casa de banho. No final da carruagem havia duas casas de banho. Enquanto esperava pela minha vez , passou um jovem adulto com um monte de livrinhos que vendeu rapidamente , voltando pouco tempo depois com outro montinho. Eram romances de cordel. Quando regressei à cabine, várias pessoas estavam entretidas lendo os romances. A senhora muito gorda, que cheirava a cebola crua, lia a história em voz alta aos seus companheiros de viagem, enquanto estes comiam um belo piquenique. 

Na ocasião reparei que o marido tinha ocupado o meu lugar no catre superior…


Pontualmente às 3h25 o comboio chegou a Samarcanda. Saiu uma mão cheia de passageiros - dos quais só nós éramos turistas. O comboio vinha cheio de nacionais.  Todos os outros seguiram para Tashkent. O que leva a esta movimentação numa 4ª feira de novembro? 


Chegámos só hotel eram quase 4h. O senhor da recepção dormia no sofá. Rapidamente acordou e fez-nos o check-in. Ao contrário dos outros hotéis tivemos de pagar logo. 



terça-feira, 8 de novembro de 2022

Uzbequistão - 8º dia

 


Está um frio de rachar. Quando saímos do hotel, fomos saudadas por um vento gélido que nos obrigou a fechar bem o casaco e a tapar a cabeça. 

O nosso hotel está muitíssimo bem situado, mesmo junto à porta oeste de Khiva que dá acesso à Ichan Kala (o centro da cidade). 

Itchan Kala significa literalmente “no interior das muralhas” e é a cidadela de Khiva, o seu núcleo histórico.


As muralhas já não se encontram completas; somente , 2 km estão ainda intactos. Os muros têm entre 6 a 8 metros de altura e na base, com 2 m de espessura junto à base. Destruídos e reconstruídos inúmeras vezes, os muros são feitos de tijolo cozido ao sol - aliás como a maioria dos edifícios de itchan kala- com alguns fragmentos a datar do século V.

Há quatro portas da cidade.


A porta norte, também chamado de porta de Urgench, é utilizado para ligação com a rede de transportes da cidade; a porta leste localiza-se junto ao caravansarai e é o mais bem preservado dos quatro. A sua estrutura foi usada como prisão; os escravos fugitivos que eram recapturados eram presos pelas orelhas aos portões. As execuções públicas eram aqui efectuadas. A porta sul é a mais discreta, sendo basicamente usado apenas pelos moradores.

É junto da porta o ocidental, mas do lado exterior, que se compra o passe de 24 h que dá acesso a todos os monumentos dentro da muralha, à exceção dos mausoléus, que são pagos à parte. 

A parte central da Itchan Kala é um grande centro comercial ao ar livre. As ruas estão ladeadas de vendedores que tentam vender aos turistas lenços de “seda”, cachecóis de “caxemira”, meias de lã de iaque, perneiras de camelo, e muitas mais recordações. Algumas das antigas madraças e mesquitas estão transformadas em lojas ou restaurantes ou hotéis, como é o caso do hotel Oriente Star que ocupa a antiga madraça de Moukhammed Amin Khan, construída em meados do século XIX. Onde antigamente havia celas (quartos) para 250 rapazes, hoje há 78 quartos para turistas.  Esta madraça era a maior não só de Khiva, como de toda a Ásia Central. O edifício de dois andares ocupa uma grande área  Tem 125 celas (khudjras). O que é de único nesta madraça é que cada khudjra consiste de dois quartos e as do andar superior consistem de um quarto e uma sala.



Do lado de fora da madraça temos o minarete Kalta Minor. Este volumoso minarete foi também mandado construir por Mohammed Amin Khan em 1851. Tem um diâmetro especialmente amplo, e está totalmente revestido com mosaico.

 Mohammed Amin Khan ambicionava ter um minarete tão alto que do seu topo conseguisse avistar Bukhara. Mesmo que tal fosse possível o seu sonho não se teria concretizado, pois faleceu quatro anos após o início dos trabalhos, que foram suspensos, deixando o minarete inacabado.

O projecto previa um minarete com 90 metros de altura - ficou-se pelos 29 metros de altura. Mesmo assim é uma estrutura impressionante, cujas fundações se enterram no solo a uma profundidade de quase 15 metros.



Aqui perto encontra-se a Kuhna Ark. Esta fortaleza foi sede de governo e residência oficial do monarca, tendo sido inicialmente construída no século XII por Ok Shaykh Bobo e ampliado no século XVII.

A fortaleza inclui uma série de elementos visitáveis, como a antiga prisão, logo à entrada, onde existe uma pequena exposição de artefactos arqueológicos, e a Mesquita de verão, toda revestida de azulejo. 




Na antiga oficina de cunhagem está instalado um museu dedicado às notas e moedas que aqui eram produzidas. Um ponto sempre interessante é a sala do trono, onde o monarca procedia aos julgamentos dos casos mais graves.

Existe uma torre defensiva do topo da qual temos vistas únicas quer sobre a cidade antiga, como sobre a cidade moderna. 








E como em Bukhara muitos noivos


A itchan kala tem centenas de edifícios interessantes. 

O palácio Tach Khaouli, cujo nome nome significa “Casa de Pedra”, foi mandado construir por Allah Kuli Khan entre 1832 e 1841, que mandou executar o primeiro arquitecto envolvido na obra por este não respeitar os prazos combinados - uma prática tão comum na época que nos leva a pensar que ser arquiteto é uma profissão de alto risco. 

O palácio tem uma planta rectangular, contendo mais de 150 quartos e nove pátios interiores. A parte norte, outrora a parte mais recatada do complexo, estava destinada ao harem de Allah Kuli Khan.

Na ala sul está a sala do trono e uma intrincada série de salas .

O interior do palácio é finamente decorado, especialmente com mosaico, e os pilares que sustentam partes das estruturas são de madeira talhada.


madraça de Islom Hoja é o edifício religioso mais recente de Khiva, tendo sido construída em 1910 e hospedando actualmente o Museu de Artes Aplicadas, Aqui pode ver uma vasta colecção de  objectos de madeira talhada, tapeçaria, pedra gravada e painéis de mosaicos decorativos.

Junto à madraça existe um minarete que poderá não ter o arcabouço do minarete Kalta Minor, mas é mais alto. Na realidade, com 57 metros, é o minarete mais alto do Uzbequistão.


Outro edifício importante, mesmo no centro da cidadela, é a mesquita Juma , a mesquita principal, aquela onde se reúne a comunidade muçulmana à Sexta-feira. 

Foi construída no século XVIII, mas no local existiam já ruínas de uma mesquita mais antiga, mencionada nas crónicas do viajante Mohammed al-Magisi que por ali passou no século X.


É uma mesquita com poucos adornos arquitectónicos, que pouco além vão duma “floresta” de 212 colunas em madeira, petrificada, datadas do século XII ao século XV, que sustentam a estrutura.



Perto do palácio está a antiga madraça de Allakuli Khan, onde agora funciona o restaurante Khorezm Art onde, por duas vezes, comemos muito bem, tendo provado especialidades uzbeques como 

shuvit oshi (espaguete verde com vegetais e carne), mastava (sopa de arroz, carne e vegetais) ou çäk-çäk (uma sobremesa muito idêntica ao nógado. Será que a receita veio daqui para o Alentejo pela mão dos árabes?)







segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Uzbequistão - 7º dia




O despertador tocou às 2h45. Rapidamente nos vestimos, pusemos as últimas coisas na mochila e descemos. Entregámos a chave e pedimos o táxi para a estação de comboios. 

Os carros nao podem chegar mesmo à entrada da estação, deixando as pessoas a uns 100 m. Pouco prático quando está a chover e se tem malas. 

Entrar na estação é como entrar no aeroporto. Há um primeiro controlo de bilhetes, depois um controlo via raio X das malas e um novo controlo de bilhetes, desta feita com direito a carimbo. 

Tentámos ainda beber um café no bar da estação, mas este era intragável. Vieram-me à memória os versos da Nau Catrineta “deitaram sola de molho para no outro dia manjar, mas a sola era tão dura que não a puderam tragar”. Neste caso, “o café era tão mau que não o puderam beber”. 

Começámos a ver as pessoas a sair da sala de espera e a ir para as plataformas e resolvemos ir também. Na plataforma 1 estava o belo comboio Afrosiyob/ Talgo, de alta velocidade. Lindo, mas … ia para Samarcanda. A simpática hospedeira disse-nos que o nosso comboio para Khiva era na plataforma 2. Ai ja estava um comboio com aspeto muito velho, decrépito e cansado. Era o nosso. 

Tínhamos bilhetes em carruagens separadas (compráramos o que ainda havia disponível). Duas foram para a zona VIP e uma para a Económica. Um funcionário acompanhou-me até à carruagem 13. É uma carruagem-cama. Tudo às escuras. A única luz que entra vem do hall da carruagem. Nao há assentos , só camas em dois andares. Parece um transporte de pessoas em catres. 


Um calor excessivo. Tudo cheio. 

O funcionário apontou a minha cama e diz ao senhor que lá estava a dormir para sair. Só se ouve ressonar. 

O ar é pesado. Pus a minha máscara. Passado um pouco o funcionário regressou e entregou-me um saco com um lençol impecavelmente branco para a minha cama. Ao menos tenho um lençol limpo. 

O catre levanta-se e por baixo ha um compartimento para guardar os pertences.  


O nosso comboio não é de alta velocidade. Lembra o antigo comboio-correio que ligava Lisboa ao Algarve. Penosamente e com grande dificuldade rola sobre is carris, parecendo que não vai  chegar a lado nenhum. Talvez por isso pare em todas as estações e apeadeiros para ganhar fôlego e tentar ir um pouco mais depressa. 

Vou tentar dormir. A ver se consigo, mas na cama em frente um homem que deitado lembra o desenho da serpente quando engole o elefante  em O Princepezinho. Ressona como um urso 


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Adormeci. Acordei às 7h45. Já o dia tinha amanhecido há muito. Olhei pela janela e Fiquei maravilhada. Estávamos em pleno desejo de areia. Os carris cortam o deserto. Nada ha senão areia, areia, areia. 


Nada aqui cresce além de uns pequenos arbustos aqui e além. 

Resolvi ir à descoberta do comboio. Esta classe tem beliches paralelos à janela no lado esquerdo do comboio e perpendiculares à janela no lado direito. Há pessoas que tentam ter um  pouco de privacidade, colocando os lençóis à volta do beliche, fazendo uma espécie de casinha.  

Tal como nos comboios em outros países asiáticos, existe, no início de cada carruagem, uma fornaça alimentada a carvão que mantém um grande depósito sempre com água  a ferver. 



O comboio vai verdadeiramente apinhado. Fui da carruagem 13, a minha, à 7, a das minhas companheiras de viagem, e vi um único beliche vazio. As pessoas trazem o seu farnel e preparam o chá no comboio. A diferença para os comboios chineses, japoneses e vietnamitas é que não havia a comer massinha instantânea. 

A carruagem 8 é o restaurante. Cinco homens bebiam chá e comiam pão. 

Na carruagem 7 começa a classe VIP com cabines com quatro beliches. Algumas tinham a porta entreaberta e eu pude espreitar, mas não encontrei as minhas companheiras. Ainda gritei pelos nomes delas, mas, helàs, ninguém respondeu. Ainda tive a esperança que uma delas respondesse e me desse o meu farnel…

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5h30 depois da nossa partida de Bukhara, parámos em Khazorasp, uma cidade situada junto à margem esquerda do rio Amu Daria junto à fronteira com o Turquemenistão. 

Ao saírem do comboio, as pessoas deixam tudo impecável. Dobram  os lençóis e entregam-nos ao funcionário. Endireitam os colchões e põem a colcha. Tudo fica com aspeto arrumado e convidativo para o passageiro que entre que na estação em que eles saem. 


Os uzbeques são realmente muito gentis bem educados. 

Khazorasp, que em farsi significa “mil cavalos”, não tem a modernidade de Tashkent nem o peso histórico-cultural de Bukhara. É uma vila no meio da estepe, que vive, creio eu, da agricultura. Há campos de algodão, onde agora, terminada a colheita, pastam vagarosamente bois e vacas. Há muito gado bovino. As casas são humildes , muitas ainda feitas de adobe. 


Às 10h40 chegámos a Urgench e o comboio esvaziou-se. Fiquei sozinha na minha carruagem. Pela moderna estação ferroviária vê-se que Urgench é uma grande cidade neste ponto perdido no Uzbequistão.  

As pessoas transportam consigo imensas cousa: lava-loiças de alumínio, tábuas de engomar, impressoras, etc. 

Pelo que li, até há pouco tempo não havia comboio direto de Tashkent. Viajava-se até Urgench e depois tinha de se apanhar uma camioneta ou um táxi para Khiva. Agora ja há este serviço, mas pelos vistos poucos ter procurado. Aqui em Urgench deve ter entrado uma mão cheia de passageiros. O comboio segue praticamente vazio. 


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Inicialmente, Khiva não estava no nosso plano, mas alguém nos disse que valia a pena vir até esta aldeia num oásis. 


Khiva teve um papel fundamental na Rota da Seda, sendo a última paragem das caravanas antes da dura travessia do deserto iraniano.


O seu centro histórico, rodeado por muralhas de dez metros de altura e conhecido como Itchan Kala, é Património Mundial da Humanidade da Unesco.



Aqui parece que continuam a gostar muito de tirar fotografias em locais históricos por ocasião do casamento.