sábado, 17 de junho de 2023

4 dias em Madrid

 

Um das belíssimas praças de Madrid
Ao fundo o Banco de Espanha


Pequenas escapadinhas de 2-3 dias retemperam forças e dão novas energias. Mesmo até que seja só um dia. Novos ares, novos cheiros, novas caras, novos costumes. Sempre que posso, vou para qualquer lado. Desta vez, juntei mais duas amigas, pegámos no carro e ala por aí fora até Madrid.

Em seis horas, chegámos à capital espanhola. Deixámos o carro numa garagem que alugámos antecipadamente para não nos preocuparmos com o carro durante a nossa estadia, pois o plano era percorremos a pé a cidade – aliás a melhor maneira de conhecer as cidades.

Madrid não era uma terra nova para nenhuma de nós, mas gostamos sempre de voltar para ver alguma exposição temporária ou algum monumento que ainda não tenhamos visitado. Uns dias antes de partir, fizemos um “brain storming” para escolher o que iríamos visitar, tentando que os desejos de todas fossem concretizados.

Ponderámos como haveríamos de ir: carro ou avião. O preço, com tarifas de avião em promoção, ficava muito idêntico, pelo que nos decidimos ir de carro para não termos de nos preocupar com a bagagem (se bem que para 4 dias a bagagem é sempre reduzidíssima). A viagem de carro dura umas 6 horas e faz-se lindamente, sempre autoestrada, praticamente de porta a porta. Portagens só em Portugal, Espanha é mais benévola… O problema do estacionamento, que em Madrid é idêntico ao de Lisboa, resolveu-se comprando antecipadamente pela net, um pacote de 4 dias num estacionamento a 100 m do nosso apartamento.

Ah, o nosso apartamento!  Reservámos na Airbnb um apartamento com três quartos (um para cada) num bairro antigo de Madrid, muitíssimo central que nos permitiu fazer (quase) tudo a pé! A um preço muito convidativo. E muito bem situado, a 600 m da Praça Maior.



Praça Maior, Madrid



Madrid estava linda e animada como sempre. De manhã cedo saímos de casa e fomos a pé até ao Prado, onde queríamos não só revisitar a exposição permanente, como ver a temporária de Guido Reni, o grande pintor italiano do século XVII, que contribuiu de forma decisiva para a formação do universo estético do barroco europeu.

Antes de chegar ao Bairro das Letras, que teríamos algo nos chamou a atenção: a dada altura começámos a cruzar-nos com muitos sem-abrigo. Que estranho, pensámos. Como qualquer grande metrópole, Madrid tem sem-abrigos, mas tantos?! O mistério resolveu-se alguns metros depois da Praça de Tirso de Molina: uma cozinha dos pobres distribuía pequenos-almoços. A fila enorme, com pessoas de todas as idades, dobrava duas esquinas!

Entrámos então no Bairro das Letras, onde bairro onde se relembra a Madrid onde viveram e faziam as suas tertúlias literárias os grandes escritores do Século de Ouro da literatura espanhola, onde memórias literárias e belas livrarias convivem democraticamente com tabernas tradicionais, lojas alternativas e animação noturna.

No tempo em que Madrid era a capital do mundo, o que é hoje o Bairro das Letras era uma área semirrural, com muitas huertas (hortas) que produziam frutas e hortaliças para abastecer as mesas da cidade – há ainda uma recordação dessa época com uma Calle de las Huertas. Mas era também aqui que viviam muitos dos grandes nomes do teatro e das letras, como por exemplo Miguel de Cervantes, Lope de Vega, Quevedo, Tirso de Molina ou Góngora. O município reconheceu que seria importante preservar o espírito desse bairro e transformou algumas das suas ruas em zonas pedonais, a já falada Calle de Huertas e a Calle Cervantes No chão dessas ruas podem ler-se poemas ou citações desses escritores.



As suas obras eram apresentadas também aqui no bairro, no corral de comedias del Príncipe, o atual Teatro Espanhol. Por exemplo, foi aqui que se estrearam El sí de las niñas de Leandro Fernández de Moratín, El barbero de Sevilla de Rossini ou Don Juan Tenorio de Zorrilla, entre outros.

Antes de chegarmos à Igreja de São Sebastião, passámos pela Praça do Anjo. Que nome interessante para uma praça! A explicação para o nome está no chão: neste local, existia o Convento de São Filipe de Néri, onde se encontrava uma pintura do anjo da guarda, muito apreciada pelos madrilenos. O convento já não existe, somente a recordação desse anjo.

A Igreja São Sebastião foi declarada em 1969 Património de Interesse Cultural. É aqui que está o túmulo de Lope de Vega e foi aqui que se tiveram lugar as cerimónias religiosas aquando do falecimento de Cervantes. A igreja foi construída entre 1554 e 1578 por Antonio Sillero e restaurada no século XVIII por Juan Bautista Monegro e Teodoro Ardemans. No entanto, a igreja original foi destruída nos bombardeamentos da Guerra Civil em 1936. A igreja foi reconstruída em 1943 sob a batuta de Francisco Íñiguez Almech, que alterou a orientação do templo e deixou por terminar a antiga torre, uma das mais altas de Madrid. A igreja reabriu ao público em 1959. 

Um pouco mais adiante temos o Convento das Trinitárias, onde na sua igreja estão os túmulos de Cervantes e de sua mulher.

Oratório das Escravas do Sagrado Coração de Jesus, Madrid

No número 19 da rua com o nome deste grande escritor espanhol está o Oratório das Escravas do Sagrado Coração de Jesus. Um palácio que aqui existia foi transformado em convento e doado a esta ordem religiosa em 1920 pelo marquês de Vélez. O arquiteto José Yarnoz desenhou esta capela em estilo neorrenascentista, com toques modernistas, de uma só nave de planta retangular e uma cúpula sobre o altar mor, com claraboia de cristal em tons azuis, verdes e ouro donde pende um grande candelabro neo-mudejar. O predomínio de madeira faz com que o espaço convide à intimidade e ao recolhimento.

Daqui ao Museu do prado é um pulinho. Ao aproximarmo-nos vimos longas filas. Felizmente tínhamos comprado os bilhetes na internet e assim pudemos entrar rapidamente.O nosso objetivo eram as exposições temporárias de Guido Reni e da Coleção Frick, mas quisemos rever algumas obras. De momento, temos algumas obras de Picasso nas salas de El Greco, pois foi neste pintor que ele se inspirou na sua fase de cubismo analítico. E neste passeio pelo Prado parámos ainda no quadro “A morte de Viriato” de José de Madrazo (1781-1859).

A pintura espanhola pertencente à Colleção Frick, considerada uma das melhores coleções de arte do mundo, apresenta um conjunto de nove obras emblemáticas de Velázquez, El Greco, Murillo e Goya. A maior parte dos quadros exibidos nesta mostra foi adquirida pelo industrial, filantropo e fundador do museu, Henry Clay Frick (1849-1919). A sua coleção é considerada atualmente um dos maiores tesouros culturais de Nova Iorque.

A mansão Frick, onde estas obras se encontram habitualmente expostas, encontra-se em obras de renovação arquitetónica, pelo que a coleção do museu foi transferida para o Frick Madison. Esta situação favoreceu um acordo especial de empréstimo temporário de obras ao Museu Nacional do Prado destas obras, a maior parte das quais não voltou a ser vista em Espanha depois da sua saída do país.

Interior do Museu do Prado

Depois de almoço, fomos ao Museu Thyssen ver a exposição de Lucian Freud, neto do pai da psicanálise, Sigmund Freud. Sendo uma retrospetiva de toda a sua vida, foi interessante ver a sua evolução na pintura. As primeiras pinturas de Freud são frequentemente associadas com o surrealismo e por apresentar pessoas e plantas em justaposições fora do comum. Esses trabalhos são normalmente pintados com pintura bastante fina, mas a partir da década de 1950 ele começou a pintar retratos, geralmente nus, e começou a usar pinceladas mais espessas. Parece que aplicar essa técnica limpava o pincel após cada pincelada. Os temas de Freud são geralmente de pessoas nas suas vidas; amigos, família, amores, criança. 

No caminho para o Convento das Descalças Reais, a nossa última visita do dia, quisemos ainda visitar a igreja de Santa Bárbara, mandada construir por Maria Bárbara de Bragança, mulher de Fernando VI. Infelizmente estava fechada.

Quando soube que a mãe do nosso rei D. Sebastião, Joana de Áustria, estava enterrada em Madrid no Convento das Descalças Reais, disse logo que o queria ir visitar. Neste convento, fundado em 1559 para albergar monjas franciscanas e clarissas, vivem atualmente 18 freiras de clausura. Daí, só se poderem ver algumas salas. A igreja, onde está o túmulo de Joana de Áustria, só pode ser visitada durante as horas das missas.

O Convento das Descalças Reais está instalado no antigo palácio em que residiram Carlos V e Isabel de Portugal e onde nasceu, em 1535, a sua filha, Joana. Durante o resto do século XVI e no século XVII, o convento atraiu senhoras nobres, viúvas ou solteiras, que traziam com elas bons dotes. As riquezas foram-se acumulando e o convento tornou-se um dos mais ricos de toda a Europa. Tomás Luis de Victoria, o melhor compositor renascentista da Espanha, trabalhou no convento de 1587 até o final de sua vida em 1611.

A demografia do convento mudou lentamente ao longo do tempo e, no século XX, todas as irmãs estavam na pobreza. O convento mantinha as riquezas de seu passado, mas era proibido de leiloar qualquer um dos itens ou gastar parte do dinheiro que recebia com os dotes. O estado interveio quando viu que as irmãs eram pobres, e o Papa concedeu uma dispensa especial para abrir o convento como um museu em 1960.

Palácio de Líria, Madrid


O nosso 2º dia em Madrid começou com uma visita ao Palácio de Líria, a residência da Casa de Alba em Madrid e principal sede da sua coleção de arte e do seu arquivo histórico. Ao longo dos séculos a Casa de Alba tem estado sempre ao lado dos reis de Espanha. Por volta de 1770, o Duque de Berwick, mandou construir este palácio. À época as famílias nobres construíam os seus palácios na zona do Pado, mas o Duque de Berwick decidiu construir fora de portas e com a fachada principal não virada para a rua, como era habitual, mas no meio dum jardim. Nos seus quatro andares, tem 200 quartos. O palácio é conhecido popularmente como “o irmão pequeno do Palácio Real. No seu desenho e construção intervieram, entre outros, o arquiteto francês Louis Guilbert, e o espanhol Ventura Rodríguez. A planta do palácio tem a forma de um retângulo com uma longitude maior do que a que é habitual encontrarmos nos palácios espanhóis, de planta mais quadrada e com pátios interiores.

No início do século XIX o palácio passou por herança para a Casa de Alba. Excetuando a fachada, todo o palácio foi destruído num grande incêndio durante a Guerra Civil. Após a sua reconstrução em 1948, foi a residência privada principal da 18.ª Duquesa de Alba, Cayetana de Alba. O palácio contém uma admirável coleção privada de arte europeia, incluindo pinturas de Pietro Perugino, Tiziano, El Greco, Goya, Murillo, Rembrandt, Ribera, Velazquez, entre outros. Na biblioteca, com 18 000 volumes, estão expostas algumas joias bibliográficas e documentais, como a Bíblia da Casa de Alba, cartas manuscritas de Cristóvão Colombo, o último testamento de Fernando ‘O Católico’ e a primeira edição do ‘D. Quixote’, impressa em Madrid em 1605.

No caminho para o Palácio Real, tivemos ainda tempo para visitar o Museu Cerralbo, a casa-palácio do 17.º Marquês de Cerralbo e um bom exemplo da vida de uma família aristocrática dos finais do século XIX. O palácio, de estilo classicista, decorado com elementos de estilo rococó e neobarroco, foi logo concebido para assumir a dupla função de moradia e de museu, para albergar as obras de arte reunidas pelos marqueses de Cerralbo e pelos seus filhos, os marqueses de Villa-Huerta, durante as suas numerosas viagens por Espanha e por vários países europeus. A coleção do museu inclui mais de 50 000 peças, entre pintura, escultura, cerâmica, vidro, tapeçaria, mobiliário, moedas e medalhas, desenhos, estampas, relógios, armas, armaduras e objetos arqueológicos.

Pátio interior do Palácio Real, Madrid


Seguimos para o Palácio Real, a residência real desde Carlos III até ao reinado de Afonso XIII. Embora já não seja habitado pelos atuais monarcas, permanece como a residência oficial dos reis. Muito antes de Madrid se converter na capital de Espanha, o emir Mohamed I construiu em Magerit (nome árabe da cidade de Madrid) uma alcáçova para defender Toledo do avanço dos cristãos. Esta edificação foi utilizada de forma eventual pelos reis de Castela, até que no século XIV se transformou no que se conhece como o Antigo Alcázar. Carlos I e o seu filho Felipe II converteram a fortaleza em residência permanente dos monarcas. No ano 1734 um incêndio arrasou o edifício, e sobre os seus restos Felipe V mandou construir o atual palácio. O edifício inspira-se nos esboços realizados por Bernini para a construção do Palácio do Louvre de Paris, e articula-se em volta de um pátio quadrado, contando também com uma galeria e uma Praça de Armas, onde se situa a fachada principal do palácio. Tanto a decoração de cada sala como a sua distribuição foram mudando ao longo dos anos, adaptando-se às necessidades dos seus reais inquilinos.

Entre as 4 318 divisões do Palácio Real (não, não as visitámos todas!) realçamos a belíssima Escadaria Principal, desenhada por Sabatini, com mais de 70 degraus, o Salão do Trono, com o teto pintado por Tiépolo, o salão de baile que Carlos III reconverteu na Sala de Guarda, as paredes de uma das salas por serem forradas a tela bordada a fio de seda e de prata e que demorou 55 anos a terminar, uns candeeiros dos cantos numa outra sala e que têm caixas de música na sua base, os inúmeros leões, símbolo de força e a mesa da sala dos banquetes que pode levar até 126 comensais.

Terminámos este nosso périplo por Madrid com a exposição temporária “A luz de Sorolla” que celebra o seu centenário. Joaquín Sorolla y Bastida foi o pintor espanhol com maior projeção internacional do seu tempo, um dos grandes mestres da pintura espanhola do final do século XIX e início do século XX.

No dia seguinte, voltámos a pegar no carro e calmamente regressámos a Portugal.