Um das belíssimas praças de Madrid Ao fundo o Banco de Espanha |
Pequenas escapadinhas de 2-3 dias retemperam forças e dão novas energias. Mesmo até que seja só um dia. Novos ares, novos cheiros, novas caras, novos costumes. Sempre que posso, vou para qualquer lado. Desta vez, juntei mais duas amigas, pegámos no carro e ala por aí fora até Madrid.
Em seis horas, chegámos à capital espanhola. Deixámos o carro
numa garagem que alugámos antecipadamente para não nos preocuparmos com o carro
durante a nossa estadia, pois o plano era percorremos a pé a cidade – aliás a melhor
maneira de conhecer as cidades.
Madrid não era uma terra nova para nenhuma de nós, mas gostamos
sempre de voltar para ver alguma exposição temporária ou algum monumento que ainda
não tenhamos visitado. Uns dias antes de partir, fizemos um “brain storming” para
escolher o que iríamos visitar, tentando que os desejos de todas fossem concretizados.
Ponderámos como haveríamos de ir: carro ou avião. O preço, com
tarifas de avião em promoção, ficava muito idêntico, pelo que nos decidimos ir de
carro para não termos de nos preocupar com a bagagem (se bem que para 4 dias a bagagem
é sempre reduzidíssima). A viagem de carro dura umas 6 horas e faz-se lindamente,
sempre autoestrada, praticamente de porta a porta. Portagens só em Portugal, Espanha
é mais benévola… O problema do estacionamento, que em Madrid é idêntico ao de Lisboa,
resolveu-se comprando antecipadamente pela net, um pacote de 4 dias num estacionamento
a 100 m do nosso apartamento.
Ah, o nosso apartamento!
Reservámos na Airbnb um apartamento com três quartos (um para cada) num bairro
antigo de Madrid, muitíssimo central que nos permitiu fazer (quase) tudo a pé! A
um preço muito convidativo. E muito bem situado, a 600 m da Praça Maior.
Madrid estava linda e animada como sempre. De manhã cedo saímos de casa e fomos a pé até ao Prado, onde queríamos não só revisitar a exposição permanente, como ver a temporária de Guido Reni, o grande pintor italiano do século XVII, que contribuiu de forma decisiva para a formação do universo estético do barroco europeu.
Antes de chegar ao Bairro das Letras, que teríamos algo nos
chamou a atenção: a dada altura começámos a cruzar-nos com muitos sem-abrigo. Que
estranho, pensámos. Como qualquer grande metrópole, Madrid tem sem-abrigos, mas
tantos?! O mistério resolveu-se alguns metros depois da Praça de Tirso de Molina:
uma cozinha dos pobres distribuía pequenos-almoços. A fila enorme, com pessoas de
todas as idades, dobrava duas esquinas!
Entrámos então no Bairro
das Letras, onde bairro onde se relembra a Madrid onde
viveram e faziam as suas tertúlias literárias os grandes escritores do Século de
Ouro da literatura espanhola, onde memórias literárias e belas livrarias convivem democraticamente
com tabernas tradicionais, lojas alternativas e animação noturna.
No tempo em que Madrid era a capital do mundo, o que é hoje o
Bairro das Letras era uma área semirrural, com muitas huertas (hortas) que
produziam frutas e hortaliças para abastecer as mesas da cidade – há ainda uma recordação
dessa época com uma Calle de las Huertas. Mas era também aqui que viviam muitos
dos grandes nomes do teatro e das letras, como por exemplo Miguel de Cervantes,
Lope de Vega, Quevedo, Tirso de Molina ou Góngora. O município reconheceu que seria importante preservar o espírito
desse bairro e transformou algumas das suas ruas em zonas pedonais, a já falada
Calle de Huertas e a Calle Cervantes No chão dessas ruas podem ler-se poemas ou
citações desses escritores.
As suas obras eram apresentadas também aqui no bairro, no corral
de comedias del Príncipe, o atual Teatro Espanhol. Por exemplo, foi aqui que se estrearam
El sí de las niñas de Leandro
Fernández de Moratín, El barbero de Sevilla de Rossini ou
Don
Juan Tenorio
de Zorrilla, entre outros.
Antes de chegarmos à Igreja de São Sebastião, passámos pela Praça do Anjo. Que nome interessante para uma praça! A explicação para o nome está no chão: neste local, existia o Convento de São Filipe de Néri, onde se encontrava uma pintura do anjo da guarda, muito apreciada pelos madrilenos. O convento já não existe, somente a recordação desse anjo.
A Igreja São Sebastião foi
declarada em 1969 Património de Interesse Cultural.
É aqui que está o túmulo de Lope de Vega e foi aqui que se tiveram lugar as cerimónias
religiosas aquando do falecimento de Cervantes. A igreja foi construída entre
1554 e 1578 por Antonio Sillero e restaurada
no século XVIII por Juan Bautista Monegro e Teodoro Ardemans. No entanto, a igreja
original foi destruída nos bombardeamentos da Guerra Civil em 1936. A igreja foi
reconstruída em 1943 sob a batuta de Francisco Íñiguez Almech, que alterou a orientação
do templo e deixou por terminar a antiga torre, uma das mais altas de Madrid. A
igreja reabriu ao público em 1959.
Um pouco mais
adiante temos o
Convento das Trinitárias, onde na sua igreja estão os túmulos de Cervantes e de
sua mulher.
Oratório das Escravas do Sagrado Coração de Jesus, Madrid |
No número 19 da rua com
o nome deste grande escritor espanhol está o Oratório
das Escravas do Sagrado Coração de Jesus. Um palácio que aqui existia foi transformado
em convento e doado a esta ordem religiosa em 1920 pelo marquês de Vélez. O arquiteto
José Yarnoz desenhou esta capela em estilo neorrenascentista, com toques modernistas,
de uma só nave de planta retangular e uma cúpula sobre o altar mor, com claraboia
de cristal em tons azuis, verdes e ouro donde pende um grande candelabro neo-mudejar.
O predomínio de madeira faz com que o espaço convide à intimidade e ao recolhimento.
Daqui ao Museu do prado é um pulinho. Ao aproximarmo-nos vimos longas filas. Felizmente tínhamos comprado os bilhetes na internet e assim pudemos entrar rapidamente.O nosso objetivo eram as exposições temporárias de Guido Reni e da Coleção Frick, mas quisemos rever algumas obras. De momento, temos algumas obras de Picasso nas salas de El Greco, pois foi neste pintor que ele se inspirou na sua fase de cubismo analítico. E neste passeio pelo Prado parámos ainda no quadro “A morte de Viriato” de José de Madrazo (1781-1859).
A pintura espanhola pertencente à Colleção Frick,
considerada uma das melhores coleções de arte do mundo, apresenta um conjunto
de nove obras emblemáticas de Velázquez, El Greco, Murillo e Goya. A maior parte dos quadros exibidos nesta
mostra foi adquirida pelo industrial, filantropo e fundador do museu, Henry
Clay Frick (1849-1919). A sua coleção é considerada atualmente um dos maiores
tesouros culturais de Nova Iorque.
A mansão Frick, onde estas obras se encontram
habitualmente expostas, encontra-se em obras de renovação arquitetónica, pelo
que a coleção do museu foi transferida para o Frick Madison. Esta situação
favoreceu um acordo especial de empréstimo temporário de obras ao Museu
Nacional do Prado destas obras, a maior parte das quais não voltou a ser vista
em Espanha depois da sua saída do país.
Interior do Museu do Prado |
Depois de almoço, fomos
ao Museu Thyssen ver a exposição de Lucian Freud, neto do pai da psicanálise, Sigmund
Freud. Sendo uma retrospetiva de toda a sua vida, foi interessante ver a sua evolução
na pintura. As primeiras pinturas de
Freud são frequentemente associadas com o surrealismo e por apresentar pessoas e plantas em justaposições
fora do comum. Esses trabalhos são normalmente pintados com pintura bastante fina,
mas a partir da década de 1950 ele começou
a pintar retratos, geralmente nus, e começou a usar pinceladas mais espessas. Parece
que aplicar essa técnica limpava o pincel após cada pincelada. Os temas de
Freud são geralmente de pessoas nas suas vidas; amigos, família, amores, criança.
No caminho para o Convento das Descalças Reais, a nossa última
visita do dia, quisemos ainda visitar a igreja de Santa Bárbara, mandada construir
por Maria Bárbara de Bragança, mulher de Fernando VI. Infelizmente estava fechada.
Quando soube que a mãe do nosso rei D. Sebastião, Joana de Áustria,
estava enterrada em Madrid no Convento das Descalças Reais, disse logo que o queria
ir visitar. Neste convento, fundado em 1559 para albergar monjas franciscanas e
clarissas, vivem atualmente 18 freiras de clausura. Daí, só se poderem ver algumas
salas. A igreja, onde está o túmulo de Joana de Áustria, só pode ser visitada durante
as horas das missas.
O Convento das Descalças Reais está instalado no antigo palácio
em que residiram Carlos V e Isabel de Portugal e onde nasceu, em 1535, a sua filha,
Joana. Durante o resto do século XVI e no século XVII, o convento atraiu senhoras
nobres, viúvas ou solteiras, que traziam com elas bons dotes. As riquezas foram-se
acumulando e o convento tornou-se um dos mais ricos de toda a Europa. Tomás Luis
de Victoria, o melhor compositor renascentista da Espanha, trabalhou no convento
de 1587 até o final de sua vida em 1611.
A demografia do convento mudou lentamente ao longo do tempo e,
no século XX, todas as irmãs estavam na pobreza. O convento mantinha as riquezas
de seu passado, mas era proibido de leiloar qualquer um dos itens ou gastar parte
do dinheiro que recebia com os dotes. O estado interveio quando viu que as irmãs
eram pobres, e o Papa concedeu uma dispensa especial para abrir o convento como
um museu em 1960.
Palácio de Líria, Madrid |
O nosso 2º dia em Madrid começou com uma visita ao Palácio de
Líria, a residência da Casa de Alba em Madrid e principal
sede da sua coleção de arte e do seu arquivo histórico.
Ao longo dos séculos a Casa de Alba tem estado sempre ao lado dos reis de Espanha.
Por volta de 1770, o Duque de Berwick, mandou construir este palácio. À época as famílias
nobres construíam os seus palácios na zona do Pado, mas o Duque de Berwick decidiu
construir fora de portas e com a fachada principal não virada para
a rua, como era habitual, mas no meio dum jardim. Nos seus quatro andares, tem 200
quartos. O palácio é conhecido popularmente como “o irmão pequeno do Palácio Real”. No seu desenho e construção intervieram, entre outros, o arquiteto francês
Louis Guilbert, e o espanhol Ventura Rodríguez. A planta do
palácio tem a forma de um retângulo com uma longitude maior do que a que é habitual
encontrarmos nos palácios espanhóis, de planta mais quadrada e com pátios interiores.
No início do século XIX o palácio passou por herança
para a Casa de Alba. Excetuando a fachada, todo o palácio foi destruído num grande
incêndio durante a Guerra Civil. Após a sua reconstrução em 1948, foi a residência
privada principal da 18.ª Duquesa de Alba, Cayetana de Alba. O palácio contém uma
admirável coleção privada de arte europeia, incluindo pinturas de Pietro Perugino,
Tiziano, El Greco, Goya, Murillo, Rembrandt, Ribera, Velazquez, entre outros. Na
biblioteca, com 18 000 volumes, estão expostas algumas joias bibliográficas e documentais, como
a Bíblia da Casa de Alba, cartas manuscritas de Cristóvão Colombo, o último testamento
de Fernando ‘O Católico’ e a primeira edição do ‘D. Quixote’, impressa em Madrid
em 1605.
No caminho para o Palácio Real, tivemos ainda tempo para visitar o Museu Cerralbo, a casa-palácio do 17.º Marquês de Cerralbo e um bom exemplo da vida de uma família aristocrática dos finais do século XIX. O palácio, de estilo classicista, decorado com elementos de estilo rococó e neobarroco, foi logo concebido para assumir a dupla função de moradia e de museu, para albergar as obras de arte reunidas pelos marqueses de Cerralbo e pelos seus filhos, os marqueses de Villa-Huerta, durante as suas numerosas viagens por Espanha e por vários países europeus. A coleção do museu inclui mais de 50 000 peças, entre pintura, escultura, cerâmica, vidro, tapeçaria, mobiliário, moedas e medalhas, desenhos, estampas, relógios, armas, armaduras e objetos arqueológicos.
Pátio interior do Palácio Real, Madrid |
Seguimos para o Palácio Real, a residência real desde Carlos III até ao reinado de Afonso XIII. Embora já
não seja habitado pelos atuais monarcas, permanece como a residência oficial dos
reis. Muito antes de Madrid se converter na capital de
Espanha, o emir Mohamed I construiu em Magerit (nome árabe da cidade de Madrid)
uma alcáçova para defender Toledo do avanço dos cristãos. Esta edificação foi utilizada
de forma eventual pelos reis de Castela, até que no século XIV se transformou no
que se conhece como o Antigo Alcázar. Carlos I e o seu filho Felipe II converteram a fortaleza
em residência permanente dos monarcas. No ano 1734 um incêndio arrasou o edifício,
e sobre os seus restos Felipe V mandou construir o atual palácio. O edifício
inspira-se nos esboços realizados
por Bernini para a construção do Palácio do Louvre de Paris, e
articula-se em volta de um pátio quadrado, contando também com uma galeria e uma
Praça de Armas, onde se situa a fachada principal do palácio. Tanto a decoração
de cada sala como a sua distribuição foram mudando ao longo dos anos, adaptando-se
às necessidades dos seus reais inquilinos.
Entre as 4 318 divisões do Palácio Real (não, não as visitámos todas!) realçamos
a belíssima Escadaria Principal, desenhada por Sabatini, com mais de 70 degraus, o Salão do Trono, com o teto pintado por Tiépolo, o salão de baile que Carlos III reconverteu na Sala de Guarda,
as paredes de uma das salas por serem forradas a tela bordada
a fio de seda e de prata e que demorou 55 anos a terminar, uns candeeiros dos cantos
numa outra sala e que têm caixas de música na sua base, os inúmeros leões, símbolo
de força e a mesa da sala dos banquetes que pode levar até 126 comensais.
Terminámos este nosso périplo por Madrid com a exposição temporária
“A luz de Sorolla” que celebra o seu centenário. Joaquín Sorolla
y Bastida foi o pintor espanhol com maior projeção internacional do seu tempo, um
dos grandes mestres da pintura espanhola do final do século XIX e início do século
XX.
No dia seguinte, voltámos a pegar no carro e calmamente
regressámos a Portugal.