quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

“Quem era nazi?” Uma exposição sobre a desnazificação na Alemanha após a guerra


Vamos ao cinema? Temos uma sensação estranha ao aproximarmo-nos do Museu dos Aliados em Berlim. Pretendíamos ver uma exposição sobre a desnazificação mas… estaríamos no sítio certo? O edifício lembrava um cinema americano dos anos 50 do século passado, um espelho do american way of life. O letreiro à entrada não enganava: estávamos mesmo no local certo.
Em 1994, quando as forças aliadas retiraram as suas tropas da Alemanha na sequência da reunificação das duas Alemanhas, foi decidida a criação dum museu que lembrasse a sua presença em solo alemão durante 50 anos. O Outpost Theater, o cinema dos soldados americanos em Berlim iria ficar desativado. Aqui no coração do antigo setor americano na Alameda Clay no bairro de Zehlendorf respirava-se EUA: o quartel-general General Lucius D. Clay, o centro comercial Truman Plaza, a estação de rádio American Forces Network (AFN), o centro desportivo Cole Sports Center, a capela americana e o Outpost Theater - o local ideal para o albergar o museu se bem que fora do centro da cidade e do roteiro normal dos turistas.
No cinema e no pátio ao ar livre está a exposição permanente; o edifício lateral recebe as exposições temporárias - desde outubro do ano passado até 29 de maio deste ano a exposição “Quem era nazi? A desnazificação após 1945 na Alemanha”, a razão que nos levou a visitar este museu.
No final da 2ª Grande Guerra, as potências vencedoras decidiram desnazificar os alemães. Centenas de milhar de pessoas que faziam parte dos quadros do partido foram internadas ou afastadas dos seus postos de trabalho. Esta exposição tenta mostrar as diferentes maneiras como esta situação foi gerida pelos quatro países vencedores: EUA, Grã-Bretanha, França e URSS, um trabalho difícil pois os métodos de trabalho eram diferentes (e até mesmo contraditórios, nalguns casos). E foram também terminando em momentos diversos: em março de 1948, os soviéticos terminaram o processo, mas só um ano depois, em fevereiro de 1949, os aliados o deram por concluído.
Retirando os nomes das ruas

Na exposição não estão em foco os criminosos de guerra nazis que foram julgados nos famosos “Processos de Nuremberga”, mas sim os muitos milhões de membros de organizações nazis, incluindo aproximadamente 8,5 milhões de membros do partido nazista. Pretendia fazer-se um exame político de toda uma sociedade pelas potências vencedoras e pelos próprios alemães: a desnazificação do peixe-miúdo.
“Há 70 anos terminou a 2ª Grande Guerra e praticamente logo a seguir deu-se a ocupação da Alemanha “, comentava Bernd von Kostka, o curador da exposição. “ A política de ocupação das quatro potências tinha por base objetivos políticos – um deles era a libertação da Alemanha do nacional-socialismo, a desnazificação de milhões de alemães no Leste e no Oeste”. A desnazificação deveria ter como objetivo afastar os nazis de todas as posições socialmente importantes, a fim de estabelecer uma nova liderança e permitir um novo começo democrático. Um expurgo político sem precedentes na História. No entanto, o processo rapidamente caiu nas garras ideológicas e da Guerra Fria. E ainda hoje se sente que ainda nem tudo foi dito. Daí a importância desta exposição.
A limpeza política desejada foi difícil de concretizar a nível das elites. Havia que reconstruir a Alemanha e impor prioridades. As elites teriam sido peças do regime mas eram necessárias para a reconstrução, pois tinham os conhecimentos. Por exemplo, Werhner von Braun, engenheiro e uma das principais figuras no desenvolvimento de misseis durante o 3º Reich, foi branqueado pelos americanos que até o levaram para a NASA onde ocupou altos cargos. Pertenceu ao grupo de cientistas para os quais a Joint Intelligence Objectives Agency (JIOA) criou informações pessoais e profissionais falsas, onde foi excluído qualquer registo de envolvimento com o partido nazi, ficando assim com toda a liberdade para trabalhar nos Estados Unidos. Ou Peter Adolf Thiessen, um químico alemão que chegou a assessor do governo de Hitler e que foi reabilitado pela União Soviética para onde foi trabalhar após a guerra no projeto da bomba atómica. Após 1949 não houve um único juiz que tivesse sido condenado pelos seus atos durante o 3º Reich, como se nenhum tivesse tido culpa no que se passou durante o nacional-socialismo. A História já nos mostrou por diversas vezes que quem sofre é sempre o peixe-miúdo. E foi também aqui o caso.
De uma antiga bandeira nazi fez-se um vestido 

Um cinto com a cruz suástica raspada 
Mais de quatro milhões de processos em quase quatro anos - a desnazificação na Alemanha depois de 1945 foi um fenómeno de massas. Em três grandes seções mostra-se o julgamento das quatro potências vencedoras para criar as condições para um novo começo político na Alemanha.
Logo na parede da entrada da exposição uma enorme fotografia de uma cena de rua na Alemanha dos anos 1930-1940. As imagens das pessoas são do tipo holograma: vistas de uma posição, aparecem com os símbolos nazi (uniforme, emblema), mas vistas de outra já estão com fatos comuns! Como saber quem era apoiante do regime?
A primeira parte é dedicada à eliminação dos símbolos e dos traços do estado nazi no espaço público e à procura de quem era nazi – funcionários, membros da SS e da Gestapo, apoiantes. Para tal foi concebido um questionário, ou melhor, quatro questionários, um de cada força vencedora (só os americanos produziram 13 milhões de inquéritos!), que toda a população teria de responder; foram igualmente arquivados filmes, fotografias, documentos e inúmeros objetos do dia-a-dia. Apesar da comissão americana ter nas suas mãos o ficheiro dos membros do partido, queria saber-se quem eram os principais culpados (Hauptschuldiger), os grandes apoiantes (Belasteter), os pequenos apoiantes (Minderbelasteter), os seguidores passivos (Mitläufer) e os que nada tiveram a ver (Entlasteter). Uma tarefa gigantesca com um fraco resultado: as comissões de desnazificação classificaram 95% dos casos como Mitläufer ou Entlasteter! Assim parece que a desnazificação se pode resumir a toneladas e toneladas de papel.
Preenchendo os inquéritos 
O interesse da exposição é ficarmos a ver agora, 70 anos depois, o trabalho hercúleo que se tentou fazer, apesar de os resultados não terem sido tão interessantes quanto se esperava.
A descoberta do
túnel de espionagem
(Foto: Museu dos Aliados)



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