quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Amarante, a cidade de São Gonçalo


A um pulo do Porto, a somente 40 minutos, está Amarante, a cidade conhecida pelo seu santo, pela sua ponte sobre o rio Tâmega, por Teixeira de Pascoes e Amadeo de Souza-Cardoso e… pelas suas especialidades de doçaria conventual.
Apesar de ser habitada desde a Idade da pedra, Amarante só começou a ser conhecida depois de o eclesiástico português Gonçalo de Amarante (1187-1259) ter fixado residência na localidade após o seu regresso da peregrinação de 14 anos a Roma e à Terra Santa.

Ergueu uma pequena ermida sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção e ali se recolheu como eremita, consagrando o tempo à oração e à penitência. Durante o seu ministério Gonçalo operou muitas conversões, conduzindo o povo à prática de uma autêntica vida cristã, sem esquecer de os promover socialmente em muitos aspetos. A ele se deve a construção de uma ponte em granito sobre o rio Tâmega, angariando pessoalmente donativos junto dos moradores mais abastados – a ponte que vemos atualmente é porém de 1782, pois a velha ponte cedera duas décadas antes devido a uma cheia excecional do rio. O cruzeiro que aí se encontrava, conhecido por Senhor da Boa Passagem, conseguiu ser retirado uma hora antes da catástrofe, tendo sido colocado mais tarde na janela de um recanto da Igreja de São Gonçalo, ficando em seu lugar a Mãe de Deus, a Senhora da Ponte.

Após a morte. Gonçalo de Amarante foi sepultado na ermida, continuando a efetuar-se muitos milagres, atribuídos à sua intercessão. No século XVI, o rei João III e a sua esposa D. Catarina de Áustria mandaram erguer um convento dominicano com igreja que ainda hoje em dia é o maior monumento de Amarante. As obras iniciaram-se em 1543, tendo-se prolongado até ao século XVIII, com intervenções no século XX.
A ponte de Amarante foi palco de umas das grandes batalhas durante as Segundas Invasões Francesas, tendo sido valorosamente defendida durante 14 dias em 1809 pelo do Marechal General Wellesley  e pelo General Silveira a quem foi dado o título de Conde de Amarante – aliás, a própria vila (que passou a cidade em 1985) foi agraciada com o colar da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito que reflete no seu brasão municipal. Para fazer as barricadas para a defesa da ponte, foram usados os móveis da casa senhorial que estava construída mesmo à boca da ponte, a Casa da Calçada.


A Casa da Calçada
Sobranceira ao rio Tâmega e com entrada junto à boca do aponte, ergue-se a Casa da Calçada, construída no século XVI para ser um dos principais palácios do Conde do Redondo que em 1473 recebeu por doação o Concelho de Gouveia de Riba Tâmega, sendo-lhe atribuído foral em 1513 pelo Rei D. Manuel.
Durante as invasões francesas serviu de quartel-general dos Franceses durante 4 – 5 dias; após a retirada dos franceses albergou os comandos aliados portugueses e ingleses. No entanto, ao terceiro dia de batalha, o edifício foi destruído pelo fogo devido aos bombardeamentos das tropas napoleónicas lideradas pelo Marechal Soult.
Nos anos 20 do século XIX, a Casa da Calçada foi adquirida pela família Lago Cerqueira, que realizou as obras de recuperação do edifício principal e dos anexos. A casa sofre um grande incêndio em 1916, tendo sido recuperada pelo Dr. António do Lago Cerqueira, que lhe mantendo a traça barroca e lhe associa elementos do neoclassicismo do início do século XX.
Republicano convicto, António do Lago Cerqueira foi o primeiro Presidente da Câmara de Amarante, após a implantação da República Portuguesa em 1910. Amigo de Afonso Costa, Bernardino Machado e António Maria da Silva, foi deputado e Ministro do Trabalho e dos Negócios Estrangeiros. Por razões políticas, abandona Portugal  e exila-se em Paris onde entra em contacto com novas técnicas de plantação de vinha no Curso de Viticultura e Vinificação que frequenta no Instituto Nacional de Agronomia.

Amnistiado em 1932, regressa à Casa da Calçada, onde inicia a produção dos Vinhos e Aguardentes das Caves da Calçada, que atingem grande sucesso sendo inclusivamente exportados para o Brasil e para as Colónias Ultramarinas Portuguesas. Nesta época a Casa da Calçada serve de ponto de encontro para políticos e intelectuais.

Após o falecimento de António do Lago Cerqueira em 1945, a Casa da Calçada fica desocupada. É comprada por António Manuel Mota, que sonha com um hotel que nunca concretiza. Os filhos avançam com o sonho do pai, a recuperação da Casa da Calçada (e a sua transformação em estalagem), dos jardins e da respetiva vinha. As obras são iniciadas nos anos 90. Paralelamente retomam a produção de vinhos verdes de alta qualidade. Em 2001, a Casa da Calçada abre com 30 quartos e, em Novembro de 2003, passa a integrar a conceituada cadeia de hotéis Relais & Châteaux.
Ao entrarmos na Casa da Calçada sentimo-nos em casa. Os quartos estão decorados num estilo romântico, transmitindo através do mobiliário, dos tecidos e dos detalhes decorativos um ambiente de casa de família. Os quartos da tipologia de luxo superior e as suites executivas têm vista privilegiada para o rio e para o convento.




No entanto, não se escolhe a Casa da Calçada só para pernoitar. Aqui a Gastronomia escreve-se letra maiúscula: a criatividade dos seus diversos chefes e a qualidade da sua  cozinha, baseada na cozinha regional portuguesa e nos sabores mediterrânicos, fazem com que o Restaurante Largo do Paço, atualmente a cozinha dirigido pelo chefe André Silva, seja uma das “catedrais” gastronómicas de Portugal e seja contemplado com uma estrela Michelin desde 2005, só com uma interrupção de um ano.  Aliás, são muitos os aspirantes a chefe que querem vir trabalhar no Largo do Paço para aí fazerem a sua formação. A garrafeira, orientada pelo sommelier Adácio Ribeiro, tem uma grande variedade de escolha num ambiente moderno com temperatura constante a rondar os 17º C.
Amarante e a Casa da Calçada fazem com que uma visita à cidade fique para sempre marcada na memória de quem por lá passa.