sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A História aos nossos pés - As escavações arqueológicas da Rua Augusta

Quantos de nós temos consciência que por debaixo das pedras que pisamos não há somente terra mas restos de lugares, vilas, cidades em tempos cheias de vida? Quantos lisboetas sabem que há toda uma cidade, ou melhor, ruínas de várias cidades debaixo do empedrado da Baixa? O subsolo lisboeta é um livro aberto que há que ler com mais de 2500 anos de História. Comecemos por exemplo pelas escavações arqueológicas da Rua Augusta, que ocupam quase um quarteirão pombalino inteiro onde hoje se encontra um edifício do Millennium BCP.
Quando o Millenium BCP iniciou as obras de remodelação do edifício, descobriu um tesouro no subsolo: estruturas arqueológicas de civilizações que, ao longo dos tempos, habitaram Lisboa com características únicas.


A visita às escavações leva-nos até ao período ibero-púnico. Ancoradouro seguro, já a partir do século VII a.C., Fenícios e Cartagineses vêm ao "sítio de Lisboa"  à procura de metais preciosos. Com o passar do tempo, as visitas tornaram-se cada vez mais frequentes e as demoras mais prolongadas, o que obrigou, entre os séculos VII e V a.C., a fixar, na margem do esteiro do rio Tejo, presumivelmente as primeiras construções habitacionais. 
A seguir vieram os romanos. A partir do século I d.C. instala-se um importante núcleo de preparados piscícolas, que terá laborado até finais do século IV d.C. . As fábricas eram constituídas por cetárias (tanques) de dimensões diversas, poços e edifícios de apoio às unidades fabris. A área que se pode visitar destinar-se-ia sobretudo à reparação de conservas de peixe salgado, o que se depreende da dimensão e da presença de ânforas normalmente usadas no transporte do produto, e muito provavelmente também à produção de garum (um molho de peixe muito apreciados pelos romanos). Logo ao lado da unidade fabril, encontra-se um complexo de três piscinas, que se calculo pertencerem a um particular, possivelmente o dono da fábrica. Saem os romanos, vêm os povos bárbaros (Visigodos, Suevos e Alanos). Desta época pode ver-se uma sepultura com um corpo que por sua vez se encontra dentro de um tanque romano.
Em 714, dá-se a ocupação árabe. Nessa época, Lisboa era uma plataforma natural de encontro e redistribuição de uma série de vias terrestres já utilizadas pelos Romanos. Desta época encontrou-se durante as escavações vários artefactos do espólio islâmico, fabricados já com a técnica do vidrado, entre outros.
Em 1147, com o início da Reconquista Cristã a partir do norte da Península Ibérica, Lisboa é conquistada aos Muçulmanos. A corte passa a residir permanentemente na cidade a partir do século XIII. Vários são os objetos encontrados que espelham este período medieval. Portugal vai crescendo e desenvolvendo. A cidade prepara-se para responder ao desafio da expansão com o seu intenso comércio, tornando-se um dos portos mais importantes da Europa.
Do período quinhentista vários artefactos existem em exposição, no entanto grande parte ainda se encontra em investigação, destaque para um azulejo sevilhano, como se pode ver na imagem. O quarteirão pombalino, onde se encontram as escavações, insere-se na malha urbana medieval da freguesia de São Julião, onde se identificaram dois troços de ruas que subsistiram até ao Terramoto de 1755. O Terramoto de 1755 marca o desaparecimento de parte da Lisboa Maneirista e Barroca e dos bairros de tradição árabe-medieval da baixa. O esforço célere do Marquês de Pombal faz com que Lisboa se reconstrua muito rapidamente.
A Baixa Pombalina assenta em terrenos de aluvião e com o nível freático sempre presente. Desta forma é concebida uma estrutura de estacaria em pinho verde, cravada no nível freático, servindo de embasamento para os alicerces. Pela primeira vez é construída de uma forma sistemática uma rede de esgotos domésticos, dando para o esgoto central sob a rua que ainda hoje se pode ver. Surge também um sistema antissísmico designado por "gaiola", estrutura interior do prédio totalmente construída em madeira de carvalho e azinho. Ao nível das lojas, as salas são abobadadas com tijoleira e pavimentadas com lajes em calcário.

É assim que passeando sob as ruas da Baixa lisboeta vamos ao encontro da História da nossa cidade e do nosso país.