terça-feira, 3 de abril de 2018

Adega da Herdade do Freixo - uma adega subterrânea


Ao longe só se viam umas espécies de claraboias em tom de terra alentejana no verão. Onde estava a adega da Herdade do Freixo? Ao aproximarmo-nos pudemos então ver que o edifício estava “escondido” debaixo da terra.

Esse tinha sido o desafio do arquiteto Frederico Valsassinha: construir um edifício que não causasse impacto visual na natureza “Quando a vinha está crescida, a adega fica totalmente escondida”, explicou Lisa Serrachino que nos guiou durante a visita à adega.
No início do século XXI, Pedro Vasconcellos e Souza, enólogo ligado à Casa de Santar, no Dão que pertence à família da mãe, apaixonou-se por uma propriedade no Alentejo, herdada pela família do pai: a Herdade do Freixo, perto de Redondo, com aproximadamente de mil hectares e uma longa história. No século XIX, Pedro de Sousa Coutinho Monteiro Paim, filho dos primeiros marqueses de Santa Iria, herdou estas terras que já tinham pertencido ao seu trisavô, Fernão de Sousa de Castelo-Branco Coutinho e Menezes, 10º Conde de Redondo. A 31 de Agosto de 1839, Pedro Sousa Coutinho Monteiro Paim casou com Eugénia Maria de Assis Castelo Branco e Lancastre, 6.ª condessa de Óbidos e de Sabugal e 7.ª condessa de Palma, reunindo assim as casas de Óbidos, Sabugal e Palma com a Casa de Santa Iria. Essas casas nobiliárquicas são hoje representadas pela família Vasconcellos e Souza.
Nos conturbados anos da Revolução de Abril, a família perdeu a herdade mas conseguiu recuperá-la mais tarde, como aconteceu a muitas outras propriedades no Alentejo.
Por volta de 2011, Pedro Vasconcellos e Souza conseguiu angariar um grupo de investidores, primeiro a Wacola Investments, S.a, e que três anos mais tarde se alterou para Herdade do Freixo Ii, S.a, e juntos lançaram o projeto que tem uma área total de 300 hectares, dos 50 estão reservados para vinha. No entanto, atualmente, como explicou Lisa Serrachino, “só estão a produzir em pleno 36 hectares (12 hectares com castas para vinho branco e 24 hectares com castas para vinho tinto)”.
Mas para fazer vinho é necessário uma adega. O projeto, que em fevereiro passado foi distinguido com um prémio “Edifício do Ano 2018” da ArchDaily, na categoria de Arquitetura Industrial, foi entregue ao arquiteto Frederico Valsasinha que concebeu uma adega totalmente subterrânea, a única na Europa, com elementos que lembram a cultura e a identidade alentejana.
O coração do edifício é uma espiral que liga os três pisos da adega. Da claraboia central, que inunda o edifício com luz natural, ao solo temos 26 metros. Aliás esta espiral serve também para separar turismo da produção. Assim as pessoas podem estar a trabalhar sem serem incomodadas pelos visitantes. Todas as áreas de trabalho estão isoladas: som, cheiro. Só a visão está disponível: durante o horário de trabalho, os visitantes podem ver como é produzido o vinho.
A adega tem uma capacidade de armazenagem para 300 mil litros de vinho. Para os responsáveis pela Herdade do Freixo, mais importante que a quantidade é a qualidade do vinho que produzem. Por isso, houve muito cuidados para a temperatura, a humidade e a pressão dentro da adega sejam sempre constantes. O ar condicionado só é acionado para fazer circular o ar. A vindima é feita por castas. A uva é despejada no cimo da adega e desce naturalmente por gravidade até aos lagares troncocónicos previamente arrefecidos, onde um robot efetua uma pisa suave e demorada.

Segue-se a prensagem: a uva preta é prensada na vertical, enquanto a uva branca é prensada na horizontal. O mosto de branco previamente desengaçado escorre suavemente para uma prensa pneumática com total ausência de oxigénio, inviabilizando qualquer possibilidade de oxidação.

O passo seguinte é o da fermentação nos tanques de inox que dura 20 dias, para depois ir para estágio de barrica no local mais profundo da adega. 80% das barricas são de 100% carvalho francês e as restantes de carvalho americano. Cada barrica só é utilizada duas vezes para dar aos vinhos a frescura da juventude. A localização da cave de estágio em barricas, no local mais profundo da adega, potencia a manutenção de uma temperatura entre os 15º e 18º C e uma humidade média de 85% com reduzida utilização de aclimatização artificial, determinando as condições ideais para a boa evolução do vinho.

Por fim, segue-se o estágio de garrafa.  

Na conceção do edifício foram muitos os desafios que se puseram a Frederico Valsassinha. À volta do edifício existem várias nascentes e lençóis freáticos – que já estão a dar dores de cabeça, pois já são visíveis muitas infiltrações. Por outro lado, durante a construção, foi descoberta uma enorme rocha magmática, a “pedra grande” que serve de humidificador natural na zona do estágio em barrica.
O respeito pela natureza marca a atuação da Herdade do Freixo. O marco geodésico a 454 m altitude vê-se à distância. Segundo a lei, nada se pode construir humanamente acima do marco, algo que poderá ter inspirado a construção subterrânea.
Como se pode ler no portal da empresa, para a instalação da vinha recorreu-se a materiais vegetais de elevada qualidade genética e sanitária e adotaram-se sistemas de condução que permitem um excelente microclima, que origina noites frescas durante o mês anterior á vindima, e permitem uma longa e correta maturação das uvas. Os solos são predominantemente derivados de rochas eruptivas das quais se destacam os quartzo dioritos, argila e algumas rochas derivadas de xisto.
Nesta paisagem idílica vive a cegonha negra, uma ave em vias de extinção que se encontra somente nas regiões mais interiores, inóspitas, isoladas e com fraca perturbação humana.
A imagem corporativa da sociedade Herdade do Freixo é o brasão da família que teve de ser redesenhado. O trabalho foi realizado pelo estúdio de design 3H, em conjunto com o mestre gravador inglês Christopher Wormell e em consonância com o respeito por uma história familiar centenária, ligada à cultura única da região e da propriedade.