Ao longe só se viam umas espécies de claraboias
em tom de terra alentejana no verão. Onde estava a adega da Herdade do Freixo?
Ao aproximarmo-nos pudemos então ver que o edifício estava “escondido” debaixo
da terra.
Esse tinha sido o desafio do arquiteto Frederico
Valsassinha: construir um edifício que não causasse impacto visual na natureza “Quando
a vinha está crescida, a adega fica totalmente escondida”, explicou Lisa Serrachino
que nos guiou durante a visita à adega.
No início do século XXI, Pedro Vasconcellos e
Souza, enólogo ligado à Casa de Santar, no Dão que
pertence à família da mãe, apaixonou-se por uma propriedade no Alentejo, herdada
pela família do pai: a Herdade do Freixo, perto de Redondo, com
aproximadamente de mil hectares e uma longa história. No século XIX, Pedro de
Sousa Coutinho Monteiro Paim, filho dos primeiros marqueses de Santa Iria,
herdou estas terras que já tinham pertencido ao seu trisavô, Fernão de Sousa de
Castelo-Branco Coutinho e Menezes, 10º Conde de Redondo. A 31 de Agosto de 1839,
Pedro Sousa Coutinho Monteiro Paim casou com Eugénia Maria de Assis Castelo
Branco e Lancastre, 6.ª condessa de Óbidos e de Sabugal e 7.ª condessa de
Palma, reunindo assim as casas de Óbidos, Sabugal e Palma com a Casa de Santa
Iria. Essas casas nobiliárquicas são hoje representadas pela família
Vasconcellos e Souza.
Nos conturbados anos da Revolução
de Abril, a família perdeu a herdade mas conseguiu recuperá-la mais tarde, como
aconteceu a muitas outras propriedades no Alentejo.
Por volta de 2011, Pedro Vasconcellos e Souza conseguiu
angariar um grupo de investidores, primeiro a Wacola
Investments, S.a, e que três anos mais tarde se alterou para Herdade do Freixo Ii, S.a, e juntos lançaram
o projeto que tem uma área total de 300 hectares, dos 50 estão reservados para vinha.
No entanto, atualmente, como explicou Lisa Serrachino, “só estão a produzir em
pleno 36 hectares (12 hectares com castas para vinho branco e 24 hectares com castas
para vinho tinto)”.
Mas para fazer vinho é necessário uma adega. O projeto,
que em fevereiro passado foi distinguido com um prémio “Edifício do Ano 2018” da ArchDaily, na categoria de Arquitetura
Industrial, foi entregue ao arquiteto Frederico Valsasinha que concebeu
uma adega totalmente subterrânea, a única na Europa, com elementos que lembram
a cultura e a identidade alentejana.
O coração do edifício é uma espiral que liga os
três pisos da adega. Da claraboia central, que inunda o edifício com luz
natural, ao solo temos 26 metros. Aliás esta espiral serve também para separar
turismo da produção. Assim as pessoas podem estar a trabalhar sem serem
incomodadas pelos visitantes. Todas as áreas de trabalho estão isoladas: som,
cheiro. Só a visão está disponível: durante o horário de trabalho, os visitantes
podem ver como é produzido o vinho.
A adega tem uma capacidade de armazenagem para 300
mil litros de vinho. Para os responsáveis pela Herdade do Freixo, mais
importante que a quantidade é a qualidade do vinho que produzem. Por isso,
houve muito cuidados para a temperatura, a humidade e a pressão dentro da adega
sejam sempre constantes. O ar condicionado só é acionado para fazer circular o
ar. A vindima é feita por castas. A uva é despejada no cimo da adega e desce
naturalmente por gravidade até aos lagares
troncocónicos previamente arrefecidos, onde um robot efetua uma pisa suave e
demorada.
Segue-se a prensagem: a uva preta é prensada na
vertical, enquanto a uva branca é prensada na horizontal. O mosto de branco previamente desengaçado escorre
suavemente para uma prensa pneumática com total ausência de oxigénio,
inviabilizando qualquer possibilidade de oxidação.
O passo seguinte é o da fermentação nos tanques de
inox que dura 20 dias, para depois ir para estágio de barrica no local mais profundo da adega. 80% das
barricas são de 100% carvalho francês e as restantes de carvalho americano. Cada
barrica só é utilizada duas vezes para dar aos vinhos a frescura da juventude. A localização da cave de estágio em barricas, no local
mais profundo da adega, potencia a manutenção de uma temperatura entre os 15º e
18º C e uma humidade média de 85% com reduzida utilização de aclimatização
artificial, determinando as condições ideais para a boa evolução do vinho.
Por fim, segue-se o estágio de garrafa.
Na conceção do edifício foram muitos os desafios
que se puseram a Frederico Valsassinha. À volta do edifício existem várias
nascentes e lençóis freáticos – que já estão a dar dores de cabeça, pois já são
visíveis muitas infiltrações. Por outro lado, durante a construção, foi
descoberta uma enorme rocha magmática, a “pedra grande” que serve de humidificador
natural na zona do estágio em barrica.
O respeito pela natureza marca a atuação da Herdade
do Freixo. O marco geodésico a 454 m altitude vê-se à distância. Segundo a lei,
nada se pode construir humanamente acima do marco, algo que poderá ter
inspirado a construção subterrânea.
Como se pode ler no portal da empresa, para a instalação da vinha recorreu-se a materiais vegetais
de elevada qualidade genética e sanitária e adotaram-se sistemas de condução
que permitem um excelente microclima, que origina noites frescas durante o mês
anterior á vindima, e permitem uma longa e correta maturação das uvas. Os
solos são predominantemente derivados de rochas eruptivas das quais se destacam
os quartzo dioritos, argila e algumas rochas derivadas de xisto.
Nesta paisagem idílica vive a cegonha negra, uma ave
em vias de extinção que se encontra somente nas
regiões mais interiores, inóspitas, isoladas e com fraca perturbação humana.
A imagem corporativa da
sociedade Herdade do Freixo é o brasão da família que teve de ser redesenhado.
O trabalho foi realizado pelo estúdio de design 3H, em conjunto com o mestre
gravador inglês Christopher Wormell e em consonância com o respeito por uma
história familiar centenária, ligada à cultura única da região e da propriedade.