quinta-feira, 19 de junho de 2014

2º dia do VIII Raid Kwanza Sul: Luanda-Lobito (599 km)

 Noite curta. Partida do hotel às 6h30. O autocarro era pequeno demais para todos os participantes. Foi difícil conseguir enfiar todas as pessoas mais a bagagem mas por fim lá partimos para Talatona onde estavam os nossos jipes. Senti-me numa verdadeira lata de sardinhas!
Os nossos jipes, novinhos em folha, com somente 112 km do conta-quilómetros, esperavam por nós nas instalações da Robert Hudson, uma empresa do Grupo Salvador Caetano que representa a Ford em Angola.
A bagagem de todos os participantes foi distribuída pelos dois jipes com canópia: o nº 9 e o nº 11, que os tinha sido atribuído. Saímos da Robert Hudson às 8.30 em formação por ordem numérica. Não fomos porém longe: logo aí, ainda em Talatona, os 17 jipes foram atestar numa bomba da Sonangol.
Finalmente estávamos prantos para arrancar em direção ao sul. Eram 9h23. O trânsito em Luanda estava caótico como habitualmente. Até aqui nada de novo. O importante era mantermos-mos na coluna, mas havia sempre uns abelhudos e uns candongueiros atrevidos que tentavam avançar a todo o custo.
Pouco depois da Ponte Molhada, uma ponte de recebeu este nome pois fica sob, em vez de sobre, a água com chove muito (!), o trânsito começou a melhorar. Calmamente chegámos ao Miradouro da Luz, um local fantástico onde a erosão esculpiu maravilhosamente as falésias, dando-lhes formas diversas que realçam devido à diversidade das cores da areia. Foi também aqui a estreia da chamada “casa de banho entre portas”.
Logo a seguir, passámos o rio Kwanza, pela ponte construída no início dos anos 70 do século XX e recuperada há alguns anos. Uma ponte com portagem! Um a um, os jipes paravam, recebiam o recibo mas não pagavam. O pagamento foi feito na totalidade pela organização.
Deixávamos para trás a província de Luanda e do outro lado da ponte entrámos na província do Kwanza Sul que dá o nome ao nosso RAID.
A estrada asfaltada continuava, mas já nada da confusão de Luanda. Deixou de haver lixo à beira da estrada, mas lindos imbondeiros, grandes e pequenos, mais largos e mais estreitos. Tínhamos chegado à zona da árvore mítica angolana.
Passagem rápida por Porto Amboim, a cidade que está geminada com Almada desde 1997. Quando aqui chegaram em 1587, os portugueses deram o nome de Benguela, mas abandoram o povoado pouco depois. Voltaram quase dois séculos depois, batizando a nova localidade de Benguela Velha. A povoação é elevada a vila em 1923 e muda o nome para Porto Amboim, passando a ter o estatuto de cidade no início de 1974.
Seguimos para Sumbe, a antiga Novo Redondo, onde almoçámos lindamente num restaurante mesmo em cima da praia. Gostaria de ter tomado o meu primeiro banho nas águas angolanas, mas os locais desaconselharam-me por a água estar muito barrenta. Já tínhamos percorrido 329 km.
Reconfortados com uma caldeirada de cabrito e outras delícias, seguimos rumo à província de Benguela. Ao passar uma ponte, vimos um grupo de mulheres a lavar a roupa e os respetivos filhos a brincar na água. Toda a caravana para para tirarmos fotografias.
 Ao final da tarde, no meio da confusão da hora de ponta, chegámos ao Lobito.
A origem do nome da cidade, que chegou a ser elevada a concelho em 1843, vem do substantivo pitu, antecedida da partícula classificativa olu; assim teríamos OLU+PITU, a “porta, o passadiço, a passagem “ que as caravanas de carregadores, ao descer dos morros vindos do interior, percorreriam, antes de atingirem a “praça comercial” da Catumbela. Com o uso continuado e o tempo, tal substantivo comum passaria a nome próprio, pelo que iria perder o “o” inicial, logo Lupitu que acabou por ser aportuguesado para Lobito.

O jantar foi no restaurante em frente do hotel, com muito marisco e especialidades angolanas.  Já no final, um grupo folclórico local veio dançar, cantar e tocar para nós. Estavam pintados com as pinturas que se fazem por altura da festa da inicial feminina e masculina. O curioso: numa das danças, as mulheres, bastante mais fortes que os homens, lançavam os homens pelo ar.
Depois do jantar, o Hans-Jürgen e eu apanhámos a boleia dum espanhol amigo do Manuel Laranjeira, da Câmara de Almada, e fomos até ao Hotel Términus onde os meus Pais passaram a primeira noite quando a minha Mãe chegou da metrópole.
O hotel Términus foi inaugurado a 29 de Dezembro de 1932, no seguimento duma política de expansão dos caminhos de ferro. O decreto concedendo a Robert Williams, engenheiro escocês que foi grande colaborador de Cecil Rhodes, autorização para construir e explorar uma linha férrea da baía do Lobito á fronteira leste de Angola foi assinado a 28 de Novembro de 1902, tendo sido a concessão feita pelo prazo de 99 anos. Tinha nascido a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela SARL (CFB).
A gerência do hotel foi entregue à Wagon-Lits, em exploração conjunta com o CFB, sendo obrigada a prestar um bom nível de serviço. A tema da abertura foi assertivo: “Para dignificar a cidade do Lobito perante os passageiros que desembarcavam ou embarcavam no Lobito”. A cidade era conhecida como a “sala de visitas de Angola” tendo no Hotel Términus o seu ícone de referência.
Durante o longo período da guerra passou por várias etapas, tendo albergado cidadãos cubanos durante bastante tempo após o que esteve encerrado durante os últimos anos de conflitos.
A 28 de Novembro de 2001, em cumprimento do contrato de concessão, procedeu-se na Direcção Geral do CFB, à cerimónia do Ato de Entrega ao Governo de Angola, rubricado entre as partes pela cessante CFB e pelos representantes do Governo de Angola, que ficou subrogado de todos os direitos do concessionário, entrando imediatamente na posse do Caminho de Ferro, com todo o material circulante, edifícios e dependências, incluindo portanto o Hotel Términus, denominado Edifício 622.

A 3 de Janeiro de 2005 foi aprovada a privatização total dos bens móveis e imóveis, bem como as áreas adjacentes, indispensáveis á expansão do Hotel, pertencentes ao CFB, a favor da IMOGESTIN SA. que reabilitou o lendário Hotel Términus, preservando a sua traça e identidade originais e devolvendo-lhe a sua grandeza e imponência de outrora. O hotel Términus continua assim a ser um edifício histórico e um hotel emblemático, sem igual em todo o país. 
No hall encontrámos o diretor do hotel e, como o mundo é uma formigunha , era de Fronteira… O hotel está muito bem recuperado e voltou a ter o glamour antigo. Na esplanada da sala de jantar, ouviam-se as ondas de que a minha Mãe tanto falava. As paredes tinham fotografias antigas e assim pude imaginar com mais precisão o reencontro dos meus Pais.

Regressámos a pé ao nosso hotel. Lobito é uma cidade tranquila onde se pode passear a pé e como a noite estava muito agradável foi um verdadeiro prazer.