sábado, 21 de junho de 2014

9º dia do VIII Raid do Kwanza Sul: Quedas do Ruacaná – Fazenda 3 N (421 km)

Veio-nos cumprimentar ao acampamento o Administrador de Ruacaná, Fernando Hifilenya Naikete,  que trouxe com ele o soba e o líder da comunidade. Nas mãos , o soba trazia uma embalagem tetrapak de vinho tinto!


 O soba é escolhido por consenso pelos mais velhos da comunidade; antigamente a sucessão era feita por linhagem, só os da linhagem do soba podiam ser eleitos sobas. 
Chamou-me a atenção um pauzinho que o soba trazia preso na orelha. Perguntei ao Administrador para que servia (o soba não falava Português). “Para coçar a cabeça”. É claro! Com a pasta de lama seca que usam no cabelo é impossível coçar a cabeça quando têm comichão. Um pauzinho ajuda.
Deixámos o acampamento e fomos ver as quedas de água do Ruacaná. Logo início – e depois mais tarde – uns cornos no chão: um voodoo que foi feito para dar sorte no concurso das 7 Maravilhas de Angola. Infelizmente não resultou. É óbvio que as quedas do Ruacaná nunca iriam ganhar. Como poderia? Não que lhe falte beleza, mas o concurso baseia-se no voto popular. As comunidades pedem o voto às pessoas. Como Ruacaná poderia ganhar se tem pouquíssimos habitantes e a maioria sem acesso à TV, a luz, etc?!



As Quedas do Ruacaná são um conjunto de cataratas e rápidos no  Rio Cunene. A queda principal tem 120 metros de altura e cerca de 700 metros de largura, em cheia máxima. O conjunto constitui uma das maiores quedas de água de África. Devido ao uso da água do rio para a geração de energia, irrigação e abastecimento público, as quedas de água ganham um aspeto mais majestoso durante a época das chuvas. Infelizmente, estávamos na época do cacimbo e assim só vimos um fiozinho de água.
Uns 80 km depois de Ruacaná, paragem em Naulila. Sem sabermos o que nos esperava no percurso, tínhamos colocado na janela do  nosso jipe uma bandeira alemã e uma bandeira portuguesa. A paragem em Naulila foi para vermos um monumento ali colocado em homenagem aos portugueses que morreram no massacre feito pelos alemães, que ficou conhecido como o “Desastre de Naulila” ou o “Combate de Naulila” que teve lugar a 18 de dezembro de 1914. Também ainda existem três campas coletivas alemãs. Como vem descrito em http://www.momentosdehistoria.com/MH_05_01_01_Exercito.htm, de acordo com  Marco Fortunato Arrifes, na sua obra "A Primeira Grande Guerra na África Portuguesa, Angola e Moçambique (1914-1918)", a questão do ataque do posto de Naulila, resultou de uma acção punitiva alemã por causa da situação gerada em volta do incidente de 19 de Outubro de 1914, e apesar de se verificar a existência de deficiências organizativas e materiais, os portugueses conseguiram resistir durante algum tempo. (…) a defesa de Naulila teve falta de direcção e de comando, esforços dispersos que nunca chegam a termo, muito embora a grande maioria das forças empenhadas se tenham batido com energia, tenacidade e valor. (…) A força portuguesa em Naulila dispunha de 400 homens de infantaria europeus, 180 homens de infantaria indígena, 3 peças de artilharia Erhardt e 4 metralhadoras, mais uma reserva de 240 homens de infantaria europeus, 60 indígenas e 2 peças de artilharia Canet. A força alemã do Major Frank compunha-se de 490 homens de infantaria, 150 auxiliares indígenas, 6 peças de artilharia e 2 metralhadoras. O combate foi muito duro e obrigou a uma retirada das forças portuguesas de Naulila para a segunda linha em Donguena.
Seguimos em picada não muito má mas com muito pó até Xangongo, antiga Vila Roçadas, onde entrámos no alcatrão, onde abastecemos os carros. O meu Pai esteve aqui no Forte Roçadas em 1948 e eu queria ver o pórtico estava imortalizado numa foto. Quando Lanucha aqui esteve a comandar este forte, erguido em 1906 na margem direita do rio Cunene, por forças portuguesas sob o comando do então Capitão José Augusto Alves Roçadas, e que serviu como base militar para ataques e ocupação das áreas do sul de Xangongo, o pórtico ainda estava de pé, mas agora já não existe. Como o tempo escasseava, não nos foi possível entrar na vila para ir ver de perto o forte.
Seguimos por alcatrão até ao desvio para a Fazenda 3 N, de Luís e Joca Nunes, situada na Tunda dos Gambos, delimitada pelo Parque do Bicuari. 80 km de picada! Somos porém recompensados quando entramos na fazendo onde foi construído o Vihua Lodge, um complexo hoteleiro de grande conforto onde foram introduzidos animais selvagens importados da Namíbia.
Depois de almoço, fizemos um pequeno safari onde porém só vimos gazelas, gnus, avestruzes e zebras. Mais sorte tivemos à noite. Estando o Hans-Jürgen e eu no economato a ver os nossos emails, chegou o administrador do lodge, o Sr. Leite. Conversámos animadamente e a dada altura e pergunta-nos se tínhamos tempo e queríamos ir ver uma coisa. Resposta afirmativa. Subimos para o jipe. Ele tinha de ir fechar algo e após o ter feito, levou-nos a um safari noturno privativo! Uma girafa pastava calmamente numa clareira. Ao ver as luzes do jipe, foge para a floresta, correndo com harmonia.

Continuámos no trilho e de repente passou mesmo em frente do jipe um enorme gunga ou elã (Taurotragus oryx). Um susto! Gazelas fugiam assim que viam as luzes. Chegámos porém a uma zona sem uma única gazela. Estranho!, disse o Sr. Leite. Parou o jipe, apagou as luzes e apontou a lanterna para a floresta. Lá estava a onça com os seus olhos a brilhar! As gazelas tinham-na sentido e, pura e simplesmente, fugiram para não serem apanhadas